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    Bastavam dois neurônios para ver que humanidade não sairia melhor da Covid

    1089 Jornal A Bigorna 09/05/2022 18:30:00

    Natureza humana é um daqueles conceitos de que todo mundo fala mal, mas que sempre acaba sendo operacional quando se quer refletir acerca de temas constantes na humanidade. Mesmo que a

    natureza humana seja histórica, a história parece se repetir ao seu bel-prazer.

    No começo da pandemia de Covid, era comum ouvir jornalistas —os menos capazes— e marqueteiros —cegos pelo próprio exercício da profissão— levantarem a questão de se a humanidade não sairia

    melhor desse período. Agora já podemos ver o quão ridícula era essa hipótese. Dois neurônios são o suficiente para jamais considerá-la a sério.

    Na história dos movimentos revolucionários do século 19, a natureza humana funcionou como uma barreira para qualquer tentativa de negar a existência de ideias semelhantes.

    A arte de Ricardo Cammarota foi realizada em técnica manual com pastel oleoso (com acabamento esfumaçado / borrado e texturas de estilete raspados sobre o pastel, como rabiscos). A imagem apresenta 6 figuras humanas, estilizadas, sem detalhes, multicoloridas, em uma visão das cabeças até a altura dos ombros. A imagem está na horizontal com 3 personagens, acima, mais 3 personagens, abaixo, em sexos misturados ou indefinidos. Sobre a arte executada manualmente, estão aplicados, digitalmente, traços bem finos em preto, tremidos, no contorno das figuras que estão com os olhos brancos, sem íris e pupilas, em formato de arroz, desalinhados sobre as faces que tem bocas no mesmo formato, também desalinhadas.

    Sei bem que a teoria marxista encontra no seu elegante conceito de práxis a hipótese segundo a qual a ação social transforma o homem. Aliás, o novo homem no qual os marxistas e soviéticos diziam crer vem daí. Não me parece que isso tenha ocorrido, pelo menos no espaço de quase 200 anos de prática social.

    Claro que tais crentes podem argumentar que a verdadeira práxis jamais existiu de fato. Este argumento seria da mesma ordem da afirmação de certos cristãos de que o reino de Deus nunca veio a se concretizar porque o verdadeiro amor cristão nunca teve lugar no mundo.

    Guardo comigo a suspeita de que movimentos como o anarquismo, pelo qual sempre alimentei uma secreta simpatia, fracassaram justamente pelo equívoco em relação à natureza humana. Esta nunca foi capaz de viver sem alguma tutela política que a resguardasse da sua própria vocação para a violência, a inveja, o ódio, o rancor e o amor à burocracia.

    Mesmo que renunciemos ao conceito de natureza humana enquanto tal, autores como Alexis de Tocqueville (1805-1859), reconheciam que os diferentes e contraditórios fins que buscam os diferentes homens e grupos implicam um alto grau de persistência de uma inércia comportamental no homem que não parece ter mudado nas democracias até hoje —ou em qualquer outro sistema político.

    A barreira à qual fiz referência acima é exatamente essa inércia da variável "natureza humana". Esta variável, que tende a ser invariante —por incrível que pareça—, se manifesta por baixo e por cima de qualquer tese que pressuponha a eliminação dela.

    Autores como Hegel (1770-1831) acreditavam que com o tempo a racionalidade do real acomodaria as imperfeições dessa natureza humana e que, ao final, tudo daria certo —Marx (1818-1883) era filho dileto do Hegel.

    A tese de Hegel, em que pese a sofisticação alemã nela presente, acaba por parecer aquelas máximas de sabedoria otimista que afirmam que, se as coisas ainda não estão bem, é porque ainda não chegamos ao fim da história.

    Incrível como palestrantes motivacionais ainda não cooptaram o elegante filósofo para o seu menu de afirmações falsas, mas simpáticas —além de venderem muito bem, claro.

    Já no século 21, John Kekes afirma que um grande impeditivo para a eliminação da natureza humana —ele prefere "condição humana"— como obstáculo à sua negação como fato dado é sermos atravessados por elementos contingentes, tais como herança genética, contexto histórico e geográfico, limites econômicos —ou a ausência deles— ,componentes psicológicos e cognitivos, que impactam nossa racionalidade limitada. Atravessamos a vida lidando com esses elementos que nos constituem e nos ultrapassam.

    Enfim, parece haver uma forte dúvida cética com relação à capacidade humana de se aperfeiçoar no que tange ao seu horizonte moral.

    A imperfectibilidade da natureza humana permanece como uma suspeita que paira sobre todas as propostas de utopias ou de grandes transformações sociais.

    O filósofo australiano John Passmore (1914-2004) escreveu uma brilhante obra histórico-filosófica, "A Perfectibilidade do Homem", publicada no Brasil pela Topbooks, na coleção Liberty Classics, na qual ele persegue as várias teorias acerca da perfectibilidade humana.

    Para o autor, o embate entre as teorias que afirmam a perfectibilidade do homem ou seu contrário representam uma luta pela consciência da alma humana.

    *Por Luiz Felipe Pondé

     

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