• testando

    O ÚNICO PROBLEMA DO MUNDO

    1894 Jornal A Bigorna 29/10/2019 13:00:00


    Warning: Illegal string offset 'CAT_nome' in /home/storage/6/33/37/jornalabigornaav1/public_html/tmp/template/42b8f9d512a9b758126c09ca577cc6575762f242_0.file.noticia-lado.tpl.php on line 99

    Notice: Uninitialized string offset: 0 in /home/storage/6/33/37/jornalabigornaav1/public_html/tmp/template/42b8f9d512a9b758126c09ca577cc6575762f242_0.file.noticia-lado.tpl.php on line 99

    Quando o ponteiro do relógio indicou dez horas da noite resolvi dormir. O calor e a umidade da estação convidavam os insetos a dançarem em volta das lâmpadas na calçada. É incrível como até os animais de ordem inferior buscam de algum jeito a iluminação para sobreviver, nem que seja artificial. Devido ao mormaço asfixiante deixei a porta da sala aberta para refrescar o ambiente. No teto as aranhas envolviam o soquete enferrujado com teias finas e pegajosas. Deitei no sofá inclinado o tronco para frente e abri a página setenta e seis da obra “O Profeta” de Khalil Gibran (escritor libanês, 1883-1931).

    Após ler o terceiro parágrafo, escutei um zunido bem próximo:

    “Bzzz! Bzzz! Bzzz!”

    Enroscada em meio aos fios aracnídeos, uma pequena abelha tentava escapar da armadilha tecida com perspicácia. A cena me comoveu. Peguei a vassoura, retirei a “pobrezinha” com muito cuidado para não a matar e soltei:

     – Por hoje acabou, companheiro Al Mustafá - disse em pensamento para o protagonista do livro.

    Apaguei a luz a fim de não ter outra vítima pendurada e liguei o celular. Foi o tempo de desbloquear o aparelho para sentir uma fisgada no braço esquerdo. Putz, que destino! A existência é cheia de ironias: a mesma abelha que “salvei” da morte se matou me picando, pois o ferrão é o prolongamento do seu abdômen. Depois de ter xingado a nona geração das colmeias do Universo inteiro, percebi que ela não tinha culpa. Óbvio, reagiu da única forma que poderia reagir - seguindo a sua natureza, mas a raiva obscurece o raciocínio e a sensatez. De repente eu a espremi sem querer ou a claridade da tela chamou sua atenção, não sei. O fato é: em toda história da humanidade desejamos salvar o planeta e acabamos ferrando ainda mais. Talvez, com esforço suficiente o bichinho conseguiria fugir ou no máximo viraria alimento de aranha caso não tivesse bancado o “Superman”.

    Hitler (líder nazista do século XX), Mussolini (político italiano do partido fascista, 1883-1945) e Mao Tse-tung (proeminente comunista chinês, 1893-1976) também deram uma de heróis (pelo menos em suas cabeças sociopatas). Estavam convictos de que os seus princípios livrariam o homem e a vida na Terra de um perigo imaginário. Houve diversos massacres em consequência do fanatismo ideológico. Para mim os militantes políticos e os representantes religiosos são idênticos, mudando apenas o salvador. As pessoas enfiam uma pseudoverdade na mente acerca de um suposto problema e saem queimando gente a torto e a direito, enforcando em praça pública ou explodindo bombas. Porra, não dá para continuar socorrendo a África sendo que a casa em que moramos está uma baderna.

    Zazen é uma prática dos budistas da tradição zen que significa “sentar sem fazer nada”. Os monges meditam com os olhos abertos porque entenderam que o mundo externo é a nossa projeção interior. Corrija dentro que automaticamente resolverá o lado de fora. Olhe no que virou a pretensão de querermos “consertar” os infortúnios do mundo ou nos acharmos os donos da razão: genocídio, torturas, miséria, inquisição, doenças etc. A biologia tem um conceito interessantíssimo chamado de homeostase, que a grosso modo significa o movimento das estruturas para se manterem em harmonia, ou seja, há uma força nesse sentido “lutando” para o equilíbrio e a conservação. É a natureza cuidando de si, da bagunça feita. As únicas criaturas que definem e interpretam os eventos da vida como bons, ruins, problemáticos e assim por diante, somos nós. Não havendo ser humano perambulando na crosta não existirá os problemas ou para quem surjam. A linguagem e os valores semânticos atribuídos são convenções, não é algo real. Simbolizamos em palavras os objetos percebidos (concretos ou abstratos: amor, frio, bondade, sofrimento...) contudo o percebimento da coisa não é a coisa percebida, estão em dimensões diferentes (subjetividade e objetividade).

    Exemplo: uma gazela observando o filhote sendo devorado pelo guepardo não enxerga a situação como um problema, não compreende de maneira pejorativa. É o que é e ponto. Foi nossa mente doentia que criou uma bolha sobreposta à realidade, igual à criança que usa um par de óculos vermelhos e acha que tudo é daquela cor. Não existe uma linha no equador, do tipo que sirva para amarrar embrulhos. É só uma concepção para dividir o globo em dois hemisférios (norte e sul) que inventamos. Incrível como gostamos de separações:

    Na certidão de nascimento dos meus pais constava a cor da pele: branco, negro, amarelo... que loucura. Inclusive o tão venerado método científico newtoniano carece separar o todo em partes para obter conhecimento. Como podemos segmentar um indivíduo que é indivisível? O termo denota isso.

    Arrisco afirmar que o melhor a ser feito é justamente NÃO fazermos nada e deixarmos a vida tomar conta dos seus próprios acontecimentos. Os taoístas carregam um axioma simples, no entanto difícil de aceitarmos:

    “Não faça nada e tudo será feito”

    Então pergunto, leitor:

     – Por que salvar o mundo quando é ele que precisa ser salvo de nós?

    *Ismael Tavernaro Filho é colunista do Jornal A Bigorna

     

     

     

    IMAGENS ANEXADAS

    O ÚNICO PROBLEMA DO MUNDO
    OUTRAS NOTÍCIAS

    veja também