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    1566 Jornal A Bigorna 20/03/2022 19:00:00

    Palanque do Zé

    Escrevo essa coluna no sábado, 19 de março de 2022. Hoje, quando acordei, vi que a operadora Tim havia me mandado a seguinte mensagem de texto: “Por determinação judicial, o aplicativo Telegram será bloqueado a partir de 21/03 em todo o território nacional por tempo indeterminado.”

    E isso se deu porque o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, acatou os pedidos da Polícia Federal para derrubar o aplicativo de mensagens Telegram.

    De acordo com a fundamentação do Ministro, tal ato se deu porque o aplicativo não deu cumprimento à Decisão de banir da plataforma, os perfis de Allan dos Santos, uma das pessoas investigadas no âmbito do Inquérito das Milícias Digitais. O segundo motivo, foi o fato de o Telegram não ter no Brasil, uma pessoa responsável pela empresa.

    Allan é a mente responsável pelo canal, cuja visão política é voltada à Direita, denominado “Terça Livre”. Ele teve decretada a sua prisão preventiva em outubro do ano passado, e é considerado foragido, mas sabe-se que está nos Estados Unidos, de onde continua em atividade.

    A ordem para banir o Telegram foi direcionada aos provedores de internet e à diversas plataformas digitais, dentre elas Apple e Google, que devem retirar de suas respectivas lojas de aplicativos, o Telegram. Tais empresas, que contam com representação no Brasil, devem inviabilizar a utilização do Aplicativo, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

    Mas porque o Telegram age dessa forma? De acordo com a Empresa, seu fundador, Pavel Durov, não atua para colaborar com o que considera como sendo "restrições de liberdade de expressão". Tanto que, na política do Aplicativo, pode se ler: "(...) Não bloquearemos ninguém que expresse pacificamente opiniões alternativas".

    No caso específico do bloqueio determinado pelo Ministro Alexandre de Moraes, Durov pediu desculpas ao Supremo: “Parece que tivemos um problema entre os endereços de e-mail corporativos do Telegram e da Suprema Corte Brasileira. Como resultado dessa falha de comunicação, o Tribunal decidiu proibir o Telegram por não ter cooperado (...) Em nome de nossa equipe, peço desculpas ao Supremo Tribunal Federal por nossa negligência. Definitivamente, poderíamos ter feito um trabalho melhor (...) Felizmente, já (encontramos o número dos Autos no STF), processamos e entregamos outro relatório ao Tribunal hoje (...) Como dezenas de milhares de brasileiros contam com o Telegram para se comunicar com familiares, amigos e colegas, peço ao Tribunal que considere adiar sua decisão por alguns dias, a seu critério, para nos permitir remediar a situação nomeando um representante no Brasil e estabelecendo uma estrutura para reagir a futuras questões urgentes como esta de maneira mais rápida”.

    De acordo com Durov, agora existe um canal confiável de comunicação com a Suprema Corte, e a Empresa poderá processar com eficiência as solicitações de remoção de canais ilegais no Brasil.

     

    Apesar dessa decisão absurda do Ministro Alexandre de Moraes ser a mais recente, o Brasil tem – lamentavelmente – um péssimo histórico de bloqueio de plataformas online. Em 2006, a vítima foi o YouTube, por causa da Cicarelli. No ano de 2014, a censura foi com o Secret. Entre os anos de 2015 e 2016, múltiplos juízes determinaram o bloqueio do WhatsApp em quatro ocasiões, sendo que em três delas, o Aplicativo ficou inacessível por algumas horas.

    Mas não foi só, pois os executivos do Google e do Facebook passaram algumas horas detidos, também em razão de descumprimentos judiciais por parte das empresas que comandavam em território nacional.

    E o que eu acho disso?

    É claro que se alguém, independente de quem quer que seja, não se submete ao Ordenamento Pátrio, deve ser punido com os rigores da Lei por meio da força coercitiva do Estado. Mas também é esperado que os agentes do Estado responsáveis por aplicar a Norma, no caso o Ministro Alexandre de Moraes, devam ser razoáveis. Como diz o ditado: “Não se pode matar pardais com um tiro de canhão”.

    Perceba, caro leitor, a desproporcionalidade da medida: Milhões de pessoas estão impedidas de usarem um aplicativo porque a empresa que o gere não baniu um único usuário específico e não tem representação no Brasil.

    O Telegram não é um aplicativo ilícito. Apenas contém a conta de uma pessoa que pode ter repassado ou criado algumas informações que podem ser falsas. Assim como qualquer outra rede social, aplicativos de mensagens e até aqueles campos de comentários no final das matérias dos principais sites de notícias do Brasil e do mundo.

    Eu poderia passar horas aqui, falando sobre artigos de lei e teorias do Direito que demonstram claramente a desproporcionalidade da Decisão do Ministro Alexandre de Moraes, mas no final de tudo, a conclusão seria simples: O Direito brasileiro sempre se pauta pelo razoável. Não é correto que milhões de pessoas fiquem sem acesso ao aplicativo, porque apenas um usuário tenha, eventualmente, cometido crimes por meio dele.

    Ainda mais porque o objetivo da Decisão, que é obrigar o Telegram a banir um usuário específico e ter representação no Brasil poderia ter mais chances de vingar por outras vias menos violentas. Que tal determinar a prisão preventiva de Durov, e inscrever seu nome na lista da INTERPOL, por exemplo? A vida de um empresário internacional, sem poder viajar, é impraticável.

    Fora  que, tal como foi determinado pelo STF, o Telegram não será efetivamente suspenso no território nacional, pois basta aos usuários brasileiros usarem qualquer serviço de VPN que, dentre outras coisas, a grossíssimo modo, “engana” a Rede Mundial de Computadores, fazendo parecer que o seu dispositivo está em qualquer lugar do mundo. Existem, inclusive, muitos serviços de VPN gratuitos pela Internet.

    Nesse momento, sem sequer ter procurado me informar sobre o assunto, já “topei” com três tutoriais completos sobre como “burlar” a Decisão do STF.

    Talvez você esteja pensando: Se eu instalar uma VPN no meu dispositivo para usar o Telegram, estarei cometendo crime? Não, por dois motivos.

    O primeiro é que as VPN são perfeitamente legais e amplamente utilizadas por todos os que precisam garantir a segurança dos dados que irão transmitir pela Rede Mundial de Computadores. Principalmente com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, norma que pune severamente aqueles que dão finalidade ilegítima aos dados pessoais das pessoas que lhes confiaram os mesmos.

    Segundo porque, a menos que você seja o Allan dos Santos ou o Pavel Durov, não foi sequer citado na ação em que a Decisão do STF foi proferida.

     Mas e agora? O Telegram ficará “banido” por muito tempo no Brasil? Creio que não. E um dos motivos que me levam a crer nisso é que o Advogado-Geral da União, Dr. Bruno Bianco Leal, já impetrou uma Medida Cautelar no Supremo Tribunal Federal, contra a ordem de bloqueio do Aplicativo.

    Na peça, a Advocacia Geral da União diz o óbvio: “Consumidores/usuários de serviços de aplicativos de mensagens não podem experimentar efeitos negativos em procedimento do qual não foram partes (...) Pensar diferente, a um só tempo, ofenderia o devido processo legal, com antijurídica repercussão do comando judicial em face de terceiros, além de ofender, ao mesmo tempo, o princípio da individualização da pena”.

    Como Advogado atuante há quase uma década, posso garantir que o mais difícil no meu trabalho é ter que explicar o óbvio para quem faz questão de não entendê-lo. Já passei por isso várias vezes e é muito triste.

    De todo esse longo texto, caro leitor, eu só queria que você entendesse o seguinte: A Decisão do Ministro Alexandre de Moraes é desconectada da realidade porque não gera os efeitos que pretende, já que pune ilegalmente milhões de usuários legítimos da Plataforma e não tem o condão de pressionar o Telegram a se submeter ao Ordenamento Jurídico Nacional porque é facilmente contornada.

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