Desde pequeno tenho muito interesse por religião, inclusive, com 12 ou 13 anos de idade decidi que queria ser Padre. É verdade! Lembro até hoje quando falei para minha mãe - ela chorou bastante, só não sei se foi por alegria ou tristeza. De qualquer forma, nunca busquei o respaldo espiritual devido ao medo do inferno, pela salvação, Deus, Paraíso etc. Eu precisava entender o sentido da vida. Por que estou aqui? O que é essa loucura que chamamos de existência? Tipo um caso de vida ou morte, sabe? Não era apenas cinco minutos de curiosidade... Em última análise, não tinha significado continuar existindo tendo a dúvida na cabeça.
Participei ativamente de inúmeras religiões tentando achar respostas. As filosofias reencarnacionistas davam algum acalento a nível mental - são legais e fazem sentido, contudo, no final das contas o meu coração ainda estava vazio. Durante o tempo que estudei as doutrinas, percebi de maneira categórica, que todas resumem a vida como sendo uma espécie de jornada, uma estrada, passagem, viagem, enfim... Nessa perspectiva NÃO CONCORDO COM NENHUMA. Por isso gosto tanto de poesia.
Veja! A arte é diferente de uma viagem. Quando viajamos o intuito básico é de chegarmos a um determinado local, certo? De um ponto "A" para um ponto "B", que podemos simplificar como sendo o trajeto entre o berço e o túmulo, nascimento e óbito. Ou seja, o objetivo da vida é a morte - nascemos para morrer e no meio do caminho inventamos diversos sentidos para permanecer na estrada.
Exemplo: estamos aqui para evoluir, pagar os pecados, aprender, sofrer, se religar ou estamos aqui devido ao carma, samsara e assim por diante. E se não bastasse essa viagem de que a vida é uma viagem, o homem contemporâneo projetou a mesma concepção para o seu cotidiano, na sua realidade. Fazemos de tudo para chegarmos rápido em nossos destinos, tanto é, que cada vez criamos formas mais eficazes de reduzir o tempo do percurso: os trens-bala, elevadores, aviões, motores superpotentes, fast-foods etc. Sem falar nas premiações e incentivos pela agilidade na execução do trabalho. Sei lá, um motoboy em São Paulo que ganha uma grana extra pela rapidez na entrega. Tempo é dinheiro. Talvez um dia reduziremos tanto a dificuldade da distância, que chegaremos ao ponto de acabar com a jornada. O foda, é que a diversão está na própria viagem e não no destino.
Agora na música, na poesia, na arte em geral, NÃO. O importante NÃO é o final. Porque se fosse esse o objetivo de um poeta, quem recitasse mais rápido seria o melhor. Pense na loucura... Imagine se o intuito de uma música for apenas o fim, que grande estupidez. As últimas notas é que seriam as mais importantes e os maestros que terminassem primeiro alcançariam o seu propósito com alegria. Não funciona desse jeito. A arte NÃO é uma viagem, uma jornada. O sentido de a dançarina dançar, é própria dança - o divertimento de se autoexpressar, um fim em si mesmo e do compositor escrever é a escrita, por mais que o final seja inevitável. Está na essência da arte a brincadeira, o prazer. Você já reparou como a mãe ou a professora adverte uma criança: “Não vai fazer arte.” E o que significa tal expressão? Simples, o menino (a) está aprontando alguma e se diverte com aquilo. Igual a arte, uma brincadeira divertida. Ninguém escuta um cantor ou um pintor dizer: “Vou trabalhar um violão”. “Vou trabalhar um quadro.” Dizemos que vamos tocar violão, pintar uma tela - porque a palavra trabalho subtende uma atividade obrigatória, trabalhosa, chata, apenas pelo salário. Claro que podemos vincular o prazer ao ganha pão. Dá para escrever livros e tirar uma graninha - o que não acontece com o trabalho. Não vejo muitas pessoas trabalhar por trabalhar kkkk. Trabalhamos porque precisamos. Mas é comum tocar violão por tocar, tranquilo na sacada, bebendo uma cerveja. Compreende a diferença?
A sociedade não ensina a sermos artistas. Em diversas famílias, se o jovem diz que vai ser músico, ele é visto como um vagabundo, que não quer trabalhar. A sociedade quer máquinas e estimula as pessoas a correrem feito robôs, a competirem. Desumanizaram o ser humano. As instituições educacionais são fábricas de criar competidores e o pior é que aplaudimos. Os pais dizem (com as melhores das intenções) para os filhos CORREREREM atrás dos seus objetivos enquanto são novos - incentivando as crianças entrarem no jogo, a andarem de pressa, pois o tempo passa rápido e quando perceber estará sem condições físicas para realizar os seus sonhos - que geralmente são os sonhos dos próprios pais projetados nelas. O jovem quer fazer 18 anos logo para tirar carta e entrar na faculdade.
Estamos repetindo padrões de uma geração para outra. Foram nos empurrando sem espaço para questionamentos. Lembre-se, “ontem” mesmo brincávamos no jardim de infância. Aí passamos para escolinha, depois veio o ensino médio, universidade, emprego, carreira, conquistas, ter sucesso. Você necessita ser veloz e eficaz, do contrário, é atropelado pela concorrência e pela ganância. Dentro desse contexto surge uma sensação estranha, do tipo: está chegando, está chegando, vai acontecer algo que mudará tudo, Deus está preparando, seu momento está vindo, está quase lá. Então esperamos, esperamos e esperamos e o "quase lá" nunca chega. Ou até pode chegar por sorte ou mérito - você alcançou os seus objetivos: YES! Consegui! De repente toca no fundo da alma a música do Raul Seixas: Ouro de Tolo.
"Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso, abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto e daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado"
...
Parece que vivemos somente para aposentar. É verídico. Os bancos têm a cara de pau de oferecer planos previdenciários para os estudantes, adolescentes. Não, não! Isso não é viver, é só existir. Estamos esperando a morte chegar, nada além. Observe a biografia de “Pedro”, ele fez exatamente o que disseram para fazer: trabalhou duro, obedeceu as regras, conquistou suas metas - a imagem do homem respeitado e bem sucedido perante os olhos da sociedade. Hoje o velho tem 72 anos, faz quimioterapia em uma clínica de ponta e mora com outros idosos dentro de uma Casa de Repouso (asilo) cinco estrelas. "Não falta" nada para Pedro. Os três filhos (também bem sucedidos) contrataram os melhores profissionais da área para tomar conta da sua saúde. Repetiram o mesmo padrão do pai, que outrora chamou professores renomados para cuidar da educação deles, porque estava ocupado demais vencendo na vida. Que irônico!
De noite, sozinho com seus botões o velho se pergunta:
“O que fiz com a minha vida? Me enganaram. Agora é tarde para lamentações. Corri tanto e para que? Tenho TUDO que o dinheiro pode comprar, porém, não tenho NADA!"
...
Existem milhões de Pedros espalhados pelo mundo na mesma situação. A merda só aconteceu porque venderam a ideia falsa de que a vida é uma jornada com um objetivo no final. DISCORDO! Não estamos indo para lugar nenhum, não temos um destino para alcançar como em uma viagem.
“A VIDA É UM SARAU E PERDEMOS A OPORTUNIDADE DE CANTAR, DANÇAR, RECITAR POEMAS ENQUANTO A MÚSICA ESTAVA TOCANDO”
Por Ismael Tavernaro Filho
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