• Artigo: Tô esperando o carnaval chegar

    2516 Jornal A Bigorna 23/12/2018 21:40:00

    *Chico Sant’Anna

    Não sei se todos têm a mesma impressão, mas acho que os dias estão mais cinzas, meio sem cor. E isso me lembra do meu passado, dos dias em que comecei a descobrir os porquês de tantas coisas que me rodeavam. Os meus dias de adolescência, pelos idos de 1984/85, foram enevoados e mantinham a impressão de que uma eterna névoa recobria os lares brasileiros. Sim, havia, por parte de muitos, uma alegria quase incontrolável com o fim do Governo Militar; no entanto, também pairava, sob a sociedade em geral, essa  aura estática possível de se cortar com uma faca. 

    A vida era mais lenta, as coisas eram mais cômodas. Os costumes refletiam os modos e gestos dos antepassados, principalmente em localidades mais afastadas dos grandes centros. Foi exatamente nesse período em que fui, literalmente, cooptado pelo estilo Rock’n’Roll de ser: o país estava em meio às manifestações múltiplas de múltiplas bandas de múltiplos estilos e eu queria fazer parte disso. Foi só com o passar dos anos que deixei de ser um mero ouvinte/apreciador de música para passar a inventá-la, demarcando o meu jeito específico de pensar e compreender as coisas, bem como de avaliar as situações. Da mesma forma que observei o horizonte nos extintos anos 1980, o vejo nos dias atuais. O céu está carregando de nuvens de incerteza que são precedidas, devidamente, de espectros e ecos desagradáveis de eras anteriores. E, igualmente, as pessoas, de forma quase catártica, comemoram o novo, o rejuvenescido e intato governo que desponta.

    Essa simples análise apenas denota que o cotidiano, a rotina e a forma de viver é, nada mais, do que uma roda gigante. Estamos sentados em seus bancos, girando e observando a paisagem. Em um primeiro momento, estamos no ápice, no cume do brinquedo e isso nos traz a sensação perfeita de integralidade com o mundo. Pouco importa o resto, oras bolas! Porém, sempre nos esquecemos de que o mecanismo responsável pela nossa ascensão terá, em um algum, o mesmo sentido para as pessoas sentadas em nossas poltronas opostas e, consequentemente, seremos convidados a deixar o local para dar lugar a novas pessoas.

    Belchior já havia dito, muito lá atrás, “que o novo sempre vem”. E é isso que a maioria das pessoas pensa, sente e quer, hoje e ontem: renovação de ideias e evolução dos costumes.

    Hoje, ao contrário do que qualquer cientista político de passado distante pudesse profetizar, vivemos a possibilidade de um pensamento retrógrado coexistir com avanços impensáveis da Tecnologia. Sim, pois é retrocesso elencar pautas variadas e referentes à forma de ser de brasileiros condenados a guetos morais – GLBTs, mulheres, negros e imigrantes, por exemplo – e, na sequência, por insatisfação manifestada por alguns e seguida pelas massas, voltar a discutir a validade de iguais direitos a todos, independente de suas formas de pensar ou agir. Poxa, o ideal não seria que esses direitos, estendidos, fossem pautas para se idealizar a melhor maneira de adequação para todos ao invés de um modo de restrição de alguns?

    Mas a roda gigante sempre volta a se movimentar e, com isso, a deixar novos elementos em condição desconfortável. E digo isso por sentir a situação na pele: ainda roqueiro, 47 anos nas costas, participando de uma mesma banda há 23 anos, escrevendo músicas próprias com base em Blues, Rock e Jazz, sou o exemplo do que não se deve ser na sociedade brasileira. Para alguns, sou um incompreendido; para outros, um rebelde apegado ao passado. Porém, a cegueira coletiva imposta pela Indústria Cultural vigente não deixa as pessoas entenderem que elas podem escolher, por exemplo, sons diferentes dos que são executados nas rádios comerciais. A população, em todas as áreas, age levada pelo movimento das massas e isso, em casos específicos de passado não tão distante, já resultou em tragédias que envenenaram a História. E, pior de tudo: as vozes que tentam alertar, mostrar as rachaduras no concreto de ideologias conservadores, não são ouvidas; ao contrário, são rechaçadas ao som de gritos e rangeres de correntes.

    A solução, queridos, é deixar que o Tempo, senhor máximo das certezas, e o movimento do brinquedo que rege nossas vidas direcionem os destinos gerais de forma a que estes, em tempo hábil, abram os olhos e encarem a Matrix tal como ela é.  

     

    *Chico Sant’Anna é jornalista

    e vocalista da banda Encruzilhada há 23 anos.

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