• Como a Coca-Cola ajudou a enterrar PL que proíbe refrigerante em escolas

    407 Jornal A Bigorna 01/08/2024 12:00:00

    Um projeto de lei que visa impedir a venda de refrigerantes em escolas está prestes a ser engavetado. Nem o apoio do Ministério da Saúde e de várias entidades de promoção de alimentação saudável e de defesa do consumidor foi o suficiente para emplacar a votação do PL 1755/07 no Plenário. Do outro lado, em oposição ao projeto, estava a Coca-Cola.

    A gigante do setor passou anos atuando nos bastidores para convencer deputados brasileiros a desistirem da ideia. Agora, e-mails inéditos obtidos pelo Intercept Brasil mostram como essa movimentação aconteceu – e dão pistas sobre como funciona a articulação da indústria alimentícia para emplacar suas vontades no parlamento brasileiro.

    Atualmente, nenhuma lei federal proíbe a venda de refrigerante em escolas. Em 2021, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado chegou a aprovar o projeto 9/2017, mas a proposta foi arquivada em 2022. Apenas alguns estados e municípios têm legislações locais.

    Já o PL 1755 tramita desde 2007 na Câmara. Em 2017, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e dependia apenas de votação no plenário. Mas, mesmo com requerimento de 13 deputados ao longo de dois anos, o projeto nunca foi colocado na pauta de votação. E os defensores do PL atribuem o congelamento à ação eficiente do lobby da Coca-Cola.

    Em abril de 2017, Vitor Bicca Neto, ex-diretor de alianças estratégicas da empresa, enviou um e-mail no qual estavam copiados assessores parlamentares e entidades que acompanhavam a tramitação do projeto.

    Ele afirmava que a Coca-Cola concordava com a proibição da venda de refrigerantes em escolas – desde que excluísse estudantes a partir dos 13 anos.

    “Acreditamos que até os 12 anos, as crianças ainda não têm maturidade para tomar decisões de consumo. Neste sentido, devemos auxiliar pais e responsáveis a moldar um ambiente em escolas que facilite escolhas mais adequadas”, escreveu o responsável por defender interesses da Coca-Cola no Congresso.

    O texto original do projeto dizia, objetivamente, que ficava “proibida a venda de refrigerantes nas escolas de educação básica públicas e privadas”. Mas o lobista não gostou dessa redação e, um mês depois, foi mais enfático no e-mail para o mesmo grupo de pessoas: “A questão do limite de idade de 12 anos é fundamental para nós”.

    Representantes de ONGs de promoção da saúde e direitos do consumidor, contrários à proposta da Coca-Cola, propuseram uma alternativa: retirar do projeto de lei as escolas que oferecessem exclusivamente o Ensino Médio, desde que o texto ampliasse a proibição de venda para outras bebidas açucaradas nas instituições de ensino fundamental. Novamente, a proposta não agradou o lobista.

    Além de inserir no texto que a proibição valeria apenas para as escolas “cuja maioria dos alunos seja composta de crianças até 12 anos de idade”, a empresa queria que as escolas mistas fossem as responsáveis por “criar mecanismos” para evitar que os estudantes mais novos comprassem a bebida. Este e-mail foi enviado em 18 de abril de 2017.

    Paula Johns, da ONG ACT Promoção da Saúde, discordou. “Sob a ótica da saúde pública e da proteção da infância e adolescência […] a segunda metade do parágrafo único [escrito pela Coca-Cola] é bastante problemática, pois permite a venda em escolas mistas, o que tornará complicada a aplicação e a fiscalização da lei”, escreveu no dia 26 de abril de 2017, em resposta ao e-mail de Bicca Neto.

    Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec, me disse que a lei seria impraticável se fosse aprovada nos termos que a indústria queria. “Escolas de crianças de até 12 anos têm adolescentes mais velhos também. Na prática, seria uma lei sem eficácia alguma”. 

    Para Luiz André Gomes, que era assessor do relator do projeto, o deputado federal Luiz Couto, do PT, ficou evidente que a indústria de refrigerantes fugia da responsabilidade pela venda da bebida para estudantes, mesmo os menores de 12 anos. Dizer-se contrária à comercialização do produto para essa faixa etária, afirmou Gomes, não passava de marketing. 

    “É uma mentira da indústria. Ela continua vendendo para representantes, que vendem para as cantinas das escolas. Na prática, não há responsabilidade solidária”, ele disse ao Intercept.

    Atualmente, Bicca Neto ocupa um cargo mais importante na Coca-Cola – diretor sênior de políticas e relações governamentais. Ele também é presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas, a Abir.(Do Intercep)

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