• Conto: Tango e a Barbetis

    2183 Jornal A Bigorna 19/05/2019 22:00:00

    Acordei de um sono profundo. Parecia que havia mergulhado num terreno assombroso, algo sobrenatural. Sentia náuseas e parecia que estava encharcado. A boca amarga. Olhei onde estava e me senti mais tranquilo.

    Estava em meu quarto. Lar doce lar.

    Quando tentei levantar tudo rodou e caí no travesseiro com a cabeça pesando mais que uma tonelada. Seria ressaca? Mas de quê, já que não lembrava de nada no dia anterior.

    Tentei relaxar.

    Ioga.

    Isso mesmo. Relaxar pra na convulsionar. Respirei fundo tão fundo que engasguei.

    Afff, a vida, às vezes, é cruel no dia seguinte de um homem que curte a noite adoidado.

    Ainda deitado olhei a cama. Que porcaria. Havia mijado na cama. Só depois senti o cheiro de urina impregnada em meu lindo corpinho.

    Foi quando mamãe entrou no quarto com cara de poucos amigos. Mamãe me ama, mas, tem dias que é um pouco má comigo.

    Ficamos por alguns segundos nos entreolhando. Por fim, ela olhou e estendeu um pacote de dinheiro pra mim. Mamãe é do bem.

    Depois começou a me xingar disparatadamente.

    Pobre de mim.

    Um trabalhador honesto sendo tratado como uma criancinha. Confesso que quase chorei e ia até pedir perdão, mas não pedi, porque não sabia o que havia feito na noite anterior.

    Ela gritou mais um pouco e depois disse para que eu fosse na Gertrudez – o barzinho que frequento nas noites calorosas depois de um dia de intenso trabalho. Ela falou alto.

    “Vai lá e paga pela cáca que você aprontou ontem”. – falou – e saiu batendo a porta do quarto, o que fez com que minha cabeça latejasse ainda mais.

    Horas depois, recomposto como um detetive particular de respeito e impoluto, vesti meu melhor terno e saí a passos largos. Nada como um banho e vomitar dezenas de vezes para melhorar.

    O carro não estava na garagem e tive que pegar o ‘buzão’ mesmo. Passava das seis da tarde; isso mesmo, não trabalhei hoje; acamado por uma noite tragada em não sei o quê.

    Como sempre fui em pé. Não odeio ônibus, mas ter que pagar para ir em pé é demais. Pensei em parar e ir ao Procon, mas me tranquilizei, olhei uma criança que chorava compulsivamente e fiz uma careta pra ela. O choro parou na hora.

    Quando cheguei no Bar, somente uma porta estava aberta. Era domingo, e aos domingos ali fervia, mas estava tudo parado. Entrei devagar e vi minha amiga Gertrudez ao fundo, parecia que estava chorando.

    Assim que me viu entrar veio até mim. Sorri. Amo a Gertrudez. Levei um sopapo na cara que por pouco não caí no chão.

    “Seu vagabundo”. – bradou.

    Senti-me constrangido, mas perguntei o porquê daquilo. Foi então que ela chorou mesmo. Tentei abraçá-la, mas ela me rechaçou com o braço.

    Sentei ao eu lado e chorei também.

    Sou sensível.

    Só depois de muito tempo de lamúrias e choros convulsivos foi que ela disse tudo.

    Na noite anterior era aniversário de 10 anos do Bar e ela havia contratado um grupo de garotas para animar a festa e os clientes.

    Eram conhecidas por “Barbetis”. Um grupo que animava bares, e por isso ficou conhecido com tal apelido. Depois ela me contou que eu havia tomado umas duas garrafas de pinga com limão e fiquei doidão. Cheirei até cola de sapateiro ela me disse.

    Depois de um tempo mais louco que o Batman, eu liguei para a Polícia e denuncie que estava tendo tráfico no local. Não deu outra. Os ‘homi’ chegaram deram ‘mão pra cabeça’ em todo mundo, prenderam o Fernandinho Bigode, amigão meu e famoso traficante da região e as Barbetis também foram ‘pro saco’ acusadas de prostituição.

    Enfim.

    Acabei com a festa da Gege.

    Fiquei arrasado.

    No bolso de minha calça estava o bolo de dinheiro que mamãe havia me dado. Tirei tudo e contei o quanto havia. Quase caí de costas. Cinco mil reais. Quando olhei para cima, a Gege estava com os braços esticados e suavemente disse que teve de chamar mamãe pra me levar, porque senão os outros traficantes iriam me matar, além de ter que pagar às custas de todo prejuízo.

    Cinco pilas.

    Caraca.

    Entreguei-lhe o dinheiro e pedi uma dose. Levei outro tapa na cara.

    Nauseabundo deixei o Bar e fui pra Padaria do Dagoberto. Entrei pedi uma dose de qualquer coisa, e o Dagoberto já foi logo dizendo:

    “Que papelão hein?”

    Fiquei pasmo. A comunidade inteira estava sabendo do ocorrido. Assim, eu estava em perigo. Mas sou destemido e ali fiquei até altas horas me embebedando pra valer, porque a vida um dia acaba.

    E bebi. Bebi. Bebi e bebi tanto, que noutro dia não acordei em casa, mas numa cama de hospital com os dois braços quebrados e uma perna semifraturada.

    Ao meu lado estava mamãe.

    Sempre ela, minha afável mamãe.

    Tomei outro tapa na cara e ouvi de novo a frase ‘que papelão’.

    O que será que eu fiz?

    Tango, Afrânio Tango, detetive particular. Agora em recuperação.

     

     

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