
Ainda que o debate sobre reeleição seja pertinente, não tem cabimento a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Marcelo Castro (MDB-PI), aprovada na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A tentativa de limitar o poder de quem está no cargo é apenas pretexto para promover um redesenho completo do sistema eleitoral brasileiro, reduzindo todos os mandatos a cinco anos, unificando eleições gerais e municipais e acabando com as regras de renovação parcial do Senado a cada ciclo. A capacidade de gerar confusão é enorme, para benefícios insondáveis.
O maior problema da PEC é unificar o calendário eleitoral, com apenas um pleito a cada cinco anos, em que o eleitor daria nove votos: vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, três senadores e presidente. As regras de transição são complexas, e o novo esquema valeria só a partir de 2039. Partidários da mudança usam dois argumentos para defendê-la. Primeiro, acreditam que o fim da reeleição imporia obstáculo aos governantes que usam o cargo com fins eleitoreiros e gastam recursos públicos apenas para se reeleger, deixando de lado medidas necessárias, mas impopulares. Segundo, alegam que, com menos eleições, o contribuinte pagaria mais barato, já que os pleitos têm gerado gastos bilionários (só as últimas eleições municipais custaram R$ 4,9 bilhões).
Ambos os argumentos são frágeis. Mesmo que um candidato não possa se reeleger, nada impede o uso da máquina pública para fazer seu sucessor. E nada garante que isso tornará mais fácil que os mandatários tomem as medidas difíceis, mas necessárias. Quanto ao gasto em eleições, ele pode ser reduzido no momento em que o Congresso quiser. Não é preciso implodir o sistema eleitoral para isso.
Os argumentos contrários à PEC são mais sólidos. O fim das eleições municipais acarretaria perda de foco nas questões de interesse imediato do eleitor. O debate seria necessariamente nacionalizado, em detrimento de políticas públicas de natureza local, como transporte ou habitação. O pleito para prefeito e vereadores também deixaria de funcionar como avaliação de meio de mandato para os governos estadual ou federal. O período mais longo entre as votações contribuiria para afastar o eleitor da política e eliminaria a oportunidade de dar um recado de aprovação ou reprovação por meio das urnas.
A PEC eliminaria a renovação parcial do Senado, que garante o equilíbrio necessário entre inovação e preservação nas mudanças legislativas, evitando que a pauta seja dominada por modismos que mobilizem a opinião pública. Haveria, por fim, enorme confusão de interesses dos deputados, senadores, vereadores ou prefeitos cujos mandatos fossem alterados no período de transição — e o novo quadro eleitoral deixaria desnorteado o eleitor já acostumado a votar a cada dois anos.
O político e pensador irlandês Edmund Burke, em sua crítica à Revolução Francesa no século XVIII, ponderou que mudanças radicais demais, mesmo quando bem-intencionadas, têm efeitos indesejáveis. “São as circunstâncias que tornam qualquer esquema político ou civil benéfico ou nocivo”, escreveu. É verdade que a reeleição pode trazer incentivos danosos. Mas ela não é a causa da degradação da democracia brasileira. Serve para o eleitor manter quem julgar bom governante — e tirar do cargo os ineptos.(Do Globo)