Quando a Vida Escolhe Outra Rota: os Desafios Invisíveis das Mães Atípicas
*Por: Marcela Fernanda de Andrade
Ser mãe já é, por si só, um mergulho profundo em um universo de descobertas, dúvidas e aprendizados. Mas quando o diagnóstico de autismo chega, muitas mães percebem que a maternidade percorre uma trilha bem diferente da que imaginavam. É como caminhar por uma estrada bonita, mas pouco iluminada, onde cada passo exige coragem, presença e um amor que se reinventa diariamente.
A mãe atípica vive uma maternidade que afeta não apenas o cotidiano, mas camadas profundas da vida emocional, física, financeira e social. A rotina muda por inteiro: consultas, terapias, laudos, estímulos, adaptações, escolas. Tudo passa a girar em torno das necessidades da criança. E é nessa reorganização que muitas mães começam a se perder de si mesmas, sem perceber.
Afeta o corpo, que vive cansado pelo acúmulo de tarefas. Afeta a mente, sempre em alerta, sempre planejando, sempre tentando prever o imprevisível. Afeta os vínculos sociais, porque nem sempre amigos e familiares entendem a nova rotina ou as particularidades do autismo. Afeta até o casamento, que muitas vezes precisa ser reconstruído para enfrentar juntos desafios que não estavam no roteiro.
E, emocionalmente, essa mãe carrega um peso silencioso que poucos conhecem: ansiedade, medo do futuro, cobrança interna, culpa, exaustão e a sensação constante de que precisa ser forte o tempo todo. Mas ninguém é forte o tempo todo. E é por isso que buscar apoio não é fraqueza — é saúde, é cuidado, é sobrevivência.
O apoio pode vir de diferentes lugares: uma rede de mães que vivem a mesma realidade; grupos de escuta; profissionais de psicologia; familiares que se dispõem a ajudar; escolas que acolhem; terapeutas que realmente explicam, orientam e caminham junto. Apoio também pode ser permitir-se descansar sem culpa. Pode ser dividir responsabilidades. Pode ser aprender a colocar limites. Pode ser reconhecer que, para cuidar bem da criança, a mãe também precisa ser cuidada.
Porque uma mãe sobrecarregada adoece. Uma mãe isolada sofre. E uma mãe sem apoio perde de vista sua própria identidade. O autismo não deve ser uma prisão; deve ser uma jornada compartilhada, onde essa mulher não caminha sozinha.
Ser mãe atípica é viver em alerta, mas também é ser especialista em amor. É compreender que desenvolvimento não é linear, que comunicação vai além da fala, que conexão não se mede por padrões. É aprender a comemorar o que ninguém vê e a segurar firme o que ninguém entende.
E, apesar de tudo, essas mães ensinam ao mundo uma das lições mais profundas que o autismo pode trazer: não existe uma única forma de ser, sentir, comunicar e existir. Cada criança é única. Cada jornada é singular. E cada mãe que acompanha essa trajetória se torna, silenciosamente, uma gigante.
Que esta coluna abrace, represente e dê voz a tantas mulheres que, diariamente, constroem caminhos mais humanos e mais conscientes. Que cada texto, cada conversa e cada informação nos aproxime de uma sociedade mais sensível, acolhedora e verdadeiramente inclusiva.
Porque as mães atípicas não pedem aplausos. Elas pedem compreensão. E compreensão transforma vidas.
Sobre a colunista
Marcela Fernanda de Andrade é pós-graduada em Neurociência, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Educação Especial e Inclusiva, com Capacitação em TEA pela Universidade de Harvard. É mãe atípica, Estudante de Fonoaudiologia, Mestranda em Distúrbios da Fala, Linguagem e Comunicação Humana.
Instagram: @neurofono_marcelaandrade













