
Em cerca de quatro horas de interrogatório, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, afirmou nesta segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente Bolsonaro alterou pessoalmente uma minuta de decreto golpista e que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, chegou a colocar as tropas da força “à disposição” para apoiar um plano de ruptura institucional.
Cid também reafirmou ter recebido dinheiro em espécie do general Braga Netto, entregue dentro de uma caixa de vinho no Palácio da Alvorada, com destino ao major Rafael Martins de Oliveira, apontado como operador da tentativa de golpe.
O depoimento ainda incluiu relatos sobre o apoio do Exército a acampamentos golpistas e críticas internas ao sistema eleitoral. Questionado por advogados dos réus que devem tentar descredibilizar sua colaboração com a Justiça, Cid negou ter sofrido pressão em seus depoimentos à Polícia Federal e ao STF.
Veja os principais pontos do depoimento:
1. Bolsonaro alterou minuta golpista
Cid voltou a dizer que o presidente Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de teor golpista de seu então assessor Filipe Martins e que não apenas teria lido o documento, mas feito alterações nele.
O delator afirmou que o documento previa originalmente a prisão "de vários ministros do STF" e autoridades do Legislativo, como o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas que Bolsonaro editou o documento.
— De certa forma, ele (Jair Bolsonaro) enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor (Alexandre de Moraes) ficaria como preso, o resto... — disse Cid a Moraes, quem emendou que "ao resto foi concedido habeas corpus". Nesse momento, o ex-presidente Bolsonaro, presente do plenário da Primeira Turma, riu da piada de Moraes.
2. Ex-comandante da Marinha colocou tropas ‘à disposição’ de golpe
Ao ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, Cid disse ainda que o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Mairinha, deixou as tropas "à disposição". O tenente-coronel acrescentou ainda que "presenciou" a trama golpista no governo, mas negou que tenha participado das ações que estão em julgamento na Corte.
O almirante, segundo Cid, seria um dos membros da ala "radical" do entorno de Bolsonaro, que seria favorável a uma ruptura institucional.
3. Freire Gomes como legalista
Durante todo o interrogatório, Cid repetiu a ideia de que o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército no fim do mandato de Jair Bolsonaro, era contra qualquer medida golpista.
— Para todos que me consultaram, no geral, eu sabia que nada iria acontecer porque eu conhecia o general Freire Gomes. (...) independentemente o que acontecesse nas eleições, dificilmente alguma coisa queria acontecer — disse Cid a Moraes.
Freire Gomes, que se recusou a esperar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para participar da cerimônia de troca de comando do Exército, é retratado por Cid como moderado.
4. Braga Netto entregou dinheiro em caixa de vinho a Cid
Mauro Cid disse que recebeu diretamente do general Walter Braga Netto uma quantia em dinheiro vivo no Palácio da Alvorada, no fim de 2022. Segundo as investigações da Polícia Federal, a quantia seria usada para custear um plano para monitorar e capturar o ministro Alexandre de Moraes, o que faria parte de um suposto plano golpista.
A Moraes e ao advogado, José Luis Oliveira Lima, que representa o general Braga Netto, Cid respondeu que não abriu a caixa, mas que sabia se tratar de dinheiro, e que a quantia deveria ser inferior a R$ 100 mil, devido ao volume ser pequeno. O militar afirmou não se lembrar de onde teria recebido a caixa e que não sabe a origem do dinheiro, mas que “provavelmente, pelo que a gente sentia ali, era o pessoal do agronegócio que estava de certa forma ajudando”.
— O general Braga Netto trouxe uma quantia de dinheiro, não sei dizer o valor, que foi passado para o major (Rafael Martins) de Oliveira no próprio Alvorada. Eu recebi o dinheiro do general Braga Netto no Palácio da Alvorada. Ele estava numa caixa de vinho, botelha, no mesmo dia eu passei para o major de Oliveira — disse o tenente-coronel.
Conforme as investigações, o montante teria sido levantado para a execução da trama golpista que visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia ganhado as eleições naquele ano contra o então presidente Jair Bolsonaro. O valor teria sido acertado em uma reunião na casa do general ocorrida no dia 12 de novembro, em Brasília, depois de uma tentativa frustrada de Cid de obter dinheiro de um militar que o delator qualifica como “tesoureiro do PL”.
5. Discussões sobre fraude nas urnas
Cid afirmou ainda que o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Braga Netto tinham expectativa de que fosse detectada uma fraude nas urnas eletrônicas para que "alguma coisa" acontecesse, em alusão a uma ruptura institucional.
Segundo ele, a identificação de um eventual problema no sistema eletrônico poderia "convencer" as Forças Armadas a intervirem no processo de transição de governo, no fim de 2022 - o que não aconteceu porque nenhuma vulnerabilidade foi encontrada.
— A expectativa é que fosse encontrada uma fraude nas urnas. O que nós vimos era uma busca por uma fraude nas urnas. Com a fraude nas urnas, poderia convencer as Forças Armadas a fazer alguma coisa — disse Cid, em resposta ao procurador-geral da República, Paulo Gonet. — Bolsonaro sempre buscou fraude nas urnas — complementou Cid, que era ajudante de ordens do ex-mandatário.
Ao advogado do ex-presidente, Celso Vilardi, porém, Cid disse que o ex-presidente “nunca expressou a ideia de que tínhamos que achar uma fraude para assinar algum decreto.”
6. Negou ter sofrido pressão em depoimentos
Como resposta a questionamentos sobre uma reportagem da revista “Veja” sobre áudios seus em que relataria uma suposta pressão das autoridades para relatar fatos inverídicos, Cid disse nesta segunda que o fato foi “um desabafo” feito a um amigo.
Foi um vazamento de áudios que foram feitos sem consentimento, sem a minha permissão. Era um desabafo, um momento difícil que eu e minha família estávamos passando. (...) Isso gerou uma crise pessoal e também psicológica muito grande, que nos levou a certos desabafos com amigos, com pessoas próximas. Nada de maneira oficial, nada de maneira acusatória — disse.
Cid disse que “em nenhum momento houve pressão” de agentes da Polícia Federal sobre ele e negou ter sido coagido a responder algo que não queria.
7. Exército apoiou acampamentos golpistas
Em seu interrogatório, Cid também afirmou que os acampamentos de apoiadoress de Jair Bolsonaro em frente aos quartéis, com pedidos de golpe de estado, "sempre tiveram apoio tácito do Exército”.
O tenente coronel disse que, as manifestações de teor golpista tiveram "apoio mais formal" a partir de 11 de novembro de 2022, quando os três comandantes militares publicaram uma nota oficial em defesa da "liberdade de reunião".(Do Globo)