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    “O celular come pela raiz o tempo. Reaja, antes de ficar seco como um tronco”

    586 Jornal A Bigorna 26/11/2023 07:40:00

    Ando de carro pelo interior de São Paulo. Pelas estradas, vou contemplando vastos campos de cana-de-açúcar, café, laranja e até seringueiras. Nenhuma daquelas plantas é dali. Vieram de outros continentes ou de outras partes do Brasil. Adaptaram-se a uma vontade externa que as deslocou da sua área de origem. Sabemos que a agricultura em larga escala de espécies não originais cria riquezas, mas pode conter riscos.

    Educar-se é um exercício agrícola. Precisamos eliminar ervas daninhas, os hábitos pouco produtivos. Necessitamos valorizar habilidades naturais (espécies nativas) e saber quais novas merecem o cultivo. Tudo deve ser irrigado, protegido de riscos e pragas.

    A maior erva daninha de hoje é a falta de foco. O vilão? O celular, com seus vídeos sedutores e mensagens contínuas. Eu me sento um minuto para ver algo e, de repente, vejo que se passou meia hora. A falta de foco mata qualquer planta promissora. O viajante Saint-Hilaire advertia há quase dois séculos: “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. A praga do celular é pior do que a da formiga voraz. O celular come pela raiz o tempo. Reaja, antes de ficar seco como um tronco abandonado.

    Existe a natureza de cada um, porém ela não é determinante, apenas condicionante. Temos um grau de liberdade com limites. Araucária tem seu solo e sua altitude. Uma laranjeira também existe melhor em certas latitudes. Plantar araucária à beira-mar implica muito mais cuidado e atenção do que no cerne do planalto frio do Brasil meridional. Da mesma forma seria transplantar o litorâneo cajueiro para o topo da Mantiqueira. Quais são suas habilidades? Saberia falar sobre seus afetos? Como eles podem ser desenvolvidos com naturalidade? O que você tem de genuíno, o que cresce fácil na sua mente? Essa é uma espécie de planta que merece atenção.

    Voltando à cena do interior de São Paulo. Trazer uma espécie exótica evoca alguns riscos ao ambiente. São necessários estudos. Nem tudo é possível. A manga e a jaca adaptaram-se tanto ao Brasil que parecem ter nascido aqui. A cana-de-açúcar fez um longo trajeto da Ásia para o sul da Europa (e ilhas atlânticas) até ocupar um imenso espaço no território brasileiro. Se você quiser introduzir um hábito novo na sua vida, saiba que a adaptação será complicada. Precisa de insistência, reflexão e muito cuidado. Criar foco, desenvolver disciplina de trabalho, conter acessos de raiva, superar preconceitos: tudo implica muito cuidado. A tentação da volta é constante. O bom agricultor sabe que não existe domingo ou feriado para uma excelente safra. A natureza é generosa e exigente. Tenha esperança de equilibrar as suas virtudes naturais e... boa colheita.

    *Por Leandro Karnal

     

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