• A culpa é sempre da imprensa_Chatô

    3780 Jornal A Bigorna 07/11/2020 12:50:00

    "Pobres jornalistas!", exclama o francês Yves Mamou na conclusão de seu livro A culpa é da imprensa. "Quando a calma reina na sociedade, são acusados das piores conivências com suas fontes. Quando uma crise explode, transforma-se em perseguidores de seus informantes...”.

    Antes de mais considerações, vou emprestar algumas palavras de um dos mais célebres jornalistas e, com o perdão da palavra, perder tempo em responder a um político tacanho como Jô Silvestre.

    Como escreveu Eugênio Bucci: “façamos um pequeno reparo. Jornalistas não são "pobres" - aqui significando "vítimas desprotegidas". Sem fazer piada de gosto duvidoso, é preciso reconhecer que jornalistas podem ser "pobres" em função de seus salários, economicamente falando, mas não são "pobres" nesse sentido que Yves Mamou dá à palavra, não são injustiçados, incompreendidos, não são coitadinhos.

    Como regra, sabem se defender muito bem. As redações, os jornais, a instituição da imprensa tem sido capaz de se afirmar e de repelir os ataques que recebe. Não obstante, é verdade indiscutível que, assim como nos romances policiais se diz que o culpado acaba sendo o mordomo, a imprensa sai das crises políticas com a pecha de ter contribuído para agravar o sofrimento social. Nisso, temos uma das raras unanimidades suprapartidárias no Brasil e no mundo: quando se trata de pôr a culpa na imprensa, quase todos estão de acordo, ainda que com motivos antípodas.

    O poder não gosta da imprensa - apenas é forçado a conviver com ela. Cinicamente, se necessário. Captando com genialidade e crueza esse espírito um tanto maligno do tempo, Max Weber anota em A política como vocação o modo como os poderosos o exprimem.

    A estranheza entre a lógica do poder e a missão dos que publicam notícias tem a mesma idade que a democracia moderna. Vem do século XVIII. É estrutural e estruturante.

    A instituição da imprensa só existe quando a liberdade de expressão tem vigência plena. Seu corpo está nos jornais e nas revistas, nas emissoras de rádio e televisão, nos blogs e no debate público; seu corpo está, enfim, nesse conjunto plural dos meios. Mas sua dimensão maior, não corpórea, é a liberdade. Trata-se de uma dimensão não corpórea, indispensável à vigência dos direitos democráticos e ao próprio funcionamento da democracia.

    Ao chamar jornais de irresponsáveis por publicarem uma matéria de uma licitação que estava no Portal de Transparência com valor estranhamente alto e depois retirado às pressas (site oficial este que deve informar com exatidão, primazia e sem erros todos os gastos do governo), a administração tacanha de Silvestre coloca mais uma vez sua incompetência administrativa a luz dos holofotes. Além do mais, nenhum jornal atacou os servidores públicos, pelo contrário, quem não dá valor a eles, é o próprio Silvestre.

    Por isso, a imprensa como instituição é maior - e mais preciosa - do que o mero somatório dos veículos. Por isso, quando o poder agride um único veículo, está fazendo sangrar a instituição da imprensa como um todo. Está enfraquecendo todo o sistema democrático. Está atentando contra os direitos fundamentais de cada cidadão.

    Silvestre passa ou passará como todo político, já a imprensa, ela fica!

     

    Chatô é escritor

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