• A desigualdade persiste

    74 Jornal A Bigorna 14/05/2025 15:50:00

    O Brasil tem como um de seus mais pungentes traços distintivos a extrema desigualdade entre os cidadãos, em particular no que concerne à renda. Isso fica ainda mais claro quando se olha para a estratificação da pirâmide de rendimentos do País, divulgada há poucos dias pelo IBGE.

    Segundo o instituto, o 1% da população que detém as maiores faixas de renda recebeu, no ano passado, o equivalente a 36,2 vezes o rendimento dos 40% na base da pirâmide. Outra leitura dos dados do IBGE escancara essa brutal discrepância: ampliando o topo da pirâmide para os 10% mais ricos, vê-se que, ainda assim, esse estrato populacional recebeu 13,4 vezes o rendimento dos 40% mais pobres em 2024.

    Por mais tentadora que seja a conclusão, o fato de essas relações já terem sido ainda mais desequilibradas no passado – 48,9 vezes em 2019, na comparação com o 1% mais rico; e 17,1% em 2018, no caso dos 10% mais bem remunerados em relação à base ampla da pirâmide – não revela um país mais equânime. Antes, mostra que o Brasil apenas saiu de um patamar obsceno de desigualdade de renda para outro um pouco menos constrangedor.

    Entre as causas desse resultado destacadas pelo IBGE figuram o reajuste do salário mínimo acima da inflação e o recebimento de benefícios de diferentes programas sociais do governo. O aumento da renda na base da pirâmide também foi atribuído ao maior dinamismo do mercado de trabalho, o que, segundo o instituto, provocou a elevação do nível de ocupação e o crescimento do rendimento médio. Porém, esses são fatores que atingem todos os níveis de renda da pirâmide, e não apenas a base, embora possam, eventualmente, ser mais ou menos intensos em cada uma das faixas.

    A despeito da fanfarra do governo Lula da Silva, a análise da queda da desigualdade no Brasil com base na mudança do coeficiente de Gini (de 0,518 em 2023 para 0,506 em 2024) precisa ser relativizada. O coeficiente de Gini é uma medida estatística que afere o nível de distribuição de renda e vai de zero (igualdade perfeita entre a população) a 1 (desigualdade absoluta). Por óbvio, programas de transferência de renda interferem nos dados estatísticos sobre a distribuição per capita dos rendimentos, e isso não é ruim. O que é preocupante é o fato de uma eventual melhora da renda dos estratos mais vulneráveis da população ser dependente daqueles paliativos governamentais, que melhor deveriam servir como um colchão de segurança social.

    O Bolsa Família, para citar o mais abrangente dos programas sociais do governo, alcança 53,8 milhões de pessoas, ou seja, mais de um quarto da população brasileira. Não se espera que dele derive uma ascensão social dos beneficiários, o que só advirá do crescimento sustentável da economia, do acesso à educação de qualidade e da ocupação de postos mais qualificados no mercado de trabalho, entre outros fatores. Como medida emergencial, o ideal seria que a clientela do programa diminuísse ao longo do tempo, acompanhando um natural e desejável crescimento da economia e das oportunidades de crescimento do rendimento próprio. Mas o que se vê nos últimos anos é o contrário.

    Note-se, ainda, que o índice de Gini não distingue países mais ricos ou mais pobres, mas sim os que apresentam maior concentração de renda e aqueles que conseguem distribuir melhor sua riqueza entre a população. O ranking do Banco Mundial de 2023, por exemplo, inclui o Nepal, um dos países mais pobres da Ásia, entre os mais igualitários, com Gini de 0,30, à frente da Áustria (0,31). É um caso típico de igualdade na pobreza.

    O Brasil ocupa a segunda metade do ranking de Gini, o que coloca o País entre as nações mais desiguais, malgrado ser a oitava maior economia do mundo. Esse paradoxo – um país rico, mas incapaz de abrir vias seguras de desenvolvimento pessoal para milhões de seus cidadãos – está na raiz de muitos entraves ao crescimento nacional.

    Além de ser moralmente condenável, a desigualdade renitente é um obstáculo econômico. Países profundamente desiguais tendem a crescer menos e a viver ciclos de instabilidade política e social, uma realidade que, a despeito dos ganhos que representa para alguns, impõe custos elevadíssimos à sociedade como um todo.(Do Estado de SP)

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