• Cid confirma delação, mas tenta minimizar golpismo ao destacar “bravata” e “conversa de bar”

    94 Jornal A Bigorna 09/06/2025 22:30:00

    Em depoimento nesta segunda-feira (9) no STF (Supremo Tribunal Federal), Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tentou minimizar a existência de ações para uma ruptura democrática no governo anterior, apesar de ter citado a participação do próprio ex-presidente na edição de uma minuta golpista no final de 2022.

    De um lado, Cid reafirmou fatos relatados em sua delação, algo fundamental, segundo advogados, para garantir os benefícios do acordo de colaboração firmado com a PGR (Procuradoria-Geral da República).

    De outro, buscou tirar o peso dos referidos fatos ao enfatizar ações informais em vez de planejadas. Na interpretação de especialistas ouvidos pela Folha, repetiu, quando possível, a função de "anteparo" do ex-presidente, expressão utilizada por ele próprio para descrever seu cargo como ajudante de ordens.

    Cid falou em "bravata" de militares que discutiam a possibilidade de uma ruptura democrática por serviços de mensageria e comparou reuniões a "conversas de bar". O militar afirmou que, conhecendo a personalidade de colegas de farda, "sabia que simplesmente era alguém que ficava reclamando no WhatsApp".

    Para exemplificar, comparou a atuação dos militares à de um atacante de futebol que, ao perder um pênalti, diz "esse cara tem que morrer", insinuando que se falava contra a democracia sem real intenção de colocar as medidas em prática.

    O interrogatório se deu no primeiro dia em que o Supremo começou a ouvir os oitos acusados de integrar o núcleo principal da trama golpista. Além de Cid e de Bolsonaro, são réus nessa parte do processo Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-chefe da Abin, Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, Augusto Heleno, ex-ministro do GSI, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.

    Todos os oito respondem sob a acusação dos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

    No interrogatório, Cid confirmou a voluntariedade de sua delação e, apesar de implicar Bolsonaro na minuta, buscou atrelar os acampamentos golpistas mais a militares e ao ex-ministro Walter Braga Netto, que está preso preventivamente desde dezembro de 2024.

    O militar destacou reiteradamente o que chamou de informalidade dos encontros de militares que discutiam a possibilidade de golpe. O ministro Alexandre de Moraes chegou a chamar a atenção para o fato, citando o termo "conversa recreativa de intervenção militar", sinalizando a tentativa de Cid de minimizar os fatos.

    Segundo Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, ao falar em "bravata" Cid tenta reduzir reuniões de militares discutindo golpe a encontros de "churrasco" corriqueiros, comparação feita pelo delator.

    "Você nunca vai poder considerar como bravata, brincadeira ou sarro militares de alta patente se sentarem para conversar, após uma eleição frustrada e com pessoas acampadas na frente do quartel, sobre intervenção militar. Isso nunca vai ser bravata", avalia Yamin.

    De acordo com o especialista, a tentativa do tenente-coronel de reduzir a gravidade da conversa entre militares não tende a trazer implicação jurídica, uma vez que o STF vai analisar todo o contexto sobre a gravidade dos fatos.

    Danilo Pereira Lima, professor de direito constitucional e coordenador do curso de direito do Claretiano de Batatais, afirma que o tratamento de reuniões golpistas como "bravatas" deve se somar à estratégia de Bolsonaro de deturpar o uso constitucional de medidas como o acionamento de estado de defesa e de sítio.

    "Depois, provavelmente Bolsonaro vai argumentar que tudo que apareceu e foi discutido em reunião, na minuta, estava baseado na Constituição", afirma.

    A advogada criminalista Ana Carolina Barranquera, especialista em direito e processo penal, entende que Cid tentou corroborar, com a tese de informalidade das reuniões, a ideia de que "o golpe não saiu do papel".

    "Ao trazer essa narrativa ele não nega que Bolsonaro tenha participado de discussões, mas traz a tese de que não houve o início da execução. De fato, é uma forma de tentar se proteger, proteger Bolsonaro e garantir a legalidade da delação", afirma.

    No depoimento, Cid confirmou a Moraes que todas as suas delações foram voluntárias, feitas com a presença de advogados e sem pressões ilegais.

    Sobre a veracidade da acusação da PGR, afirmou que presenciou "grande parte dos fatos", mas não participou deles.

    Antes de ser interrogado, Cid prestou continência aos generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministros do governo Jair Bolsonaro que respondem pela acusação de crimes contra a democracia, e cumprimentou o ex-presidente, que participava da sessão no STF.

    O militar afirmou que Bolsonaro teve conhecimento de uma minuta golpista, à qual enxugou para tirar autoridades da previsão de prisão, com exceção de Moraes. Disse também que Bolsonaro pressionou o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, para a produção de um relatório que confirmasse fraude nas urnas, mesmo sem provas.(Da Folha de SP)

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