
Os cardeais encarregados de eleger um novo papa para liderar a Igreja Católica deixaram a Capela Sistina exaustos e com fome.
Uma meditação que abriu o conclave se prolongou e empurrou a primeira votação para o fim da noite de quarta-feira (17). O resultado foi inconclusivo, com três principais candidatos. Cumprindo o voto de sigilo, os cardeais voltaram para a Casa Santa Marta —a casa de hóspedes onde estavam isolados, sem telefones— e começaram a conversar.
Durante o jantar, enquanto um cardeal celíaco separava legumes no prato e outros apenas aceitavam a refeição simples, eles discutiam suas opções. O cardeal Pietro Parolin, 70, italiano que comandava o Vaticano durante o papado de Francisco, havia chegado ao conclave como favorito, mas não recebeu apoio esmagador na votação. Os italianos estavam divididos, e alguns dos cardeais presentes se incomodaram com o fato de Parolin não dar ênfase às reuniões colegiadas que Francisco havia priorizado na gestão da Igreja.
O cardeal Peter Erdo, da Hungria, 72, apoiado por uma coalizão de conservadores, incluindo alguns cardeais africanos, não conseguia ganhar fôlego em um colégio eleitoral amplamente nomeado por Francisco.
Sobrava, então, o cardeal Robert Francis Prevost, 69, um discreto americano azarão que, surpreendentemente, havia despertado interesse na votação da noite.
Missionário, depois superior de ordem religiosa, bispo no Peru e, por fim, uma figura influente no Vaticano, ele preenchia muitas das expectativas que uma ampla gama de cardeais buscava. Sua aparente capacidade de ser "de dois lugares ao mesmo tempo" —América do Norte e América do Sul— agradava aos cardeais de ambos os continentes. Ao sondarem os cardeais latino-americanos que o conheciam bem, gostaram do que ouviram.
Durante o jantar, Prevost evitou qualquer sinal de campanha ou articulação, segundo os cardeais. Na manhã seguinte, ele havia se transformado em uma força surpreendente e imparável, que acabou deixando pouco espaço para as demais candidaturas e campos ideológicos.
"Você começa a perceber a direção e pensa: meu Deus, nem vou usar todas as minhas roupas para cinco dias", brincou o cardeal Pablo Virgilio Siongco David, das Filipinas. "Vai se resolver muito rápido."
Entrevistas com mais de uma dúzia de cardeais —que só podiam revelar parte das informações devido às regras de sigilo, sob pena de excomunhão— e relatos de bastidores no Vaticano contam como Prevost se tornou o papa Leão 14. O consenso rápido, impressionante e sem precedentes em torno de um americano pouco conhecido fora da Igreja aconteceu na quinta-feira (8), entre um colégio eleitoral numeroso, com muitos novos membros que mal se conheciam. Tinham diferentes interesses, línguas e prioridades — mas chegaram a uma única escolha.
Após a morte de Francisco em 21 de abril, cardeais do mundo todo começaram a chegar a Roma. Juntaram-se a figuras influentes do Vaticano que comandavam a burocracia da Igreja, incluindo Prevost, cuja carreira havia sido impulsionada por Francisco.
Apesar de seu conhecimento profundo do Vaticano, Prevost ainda era um novato, nomeado cardeal havia menos de dois anos. E tinha dúvidas sobre como funcionava o conclave.
Ele recorreu a um dos supostos favoritos, o cardeal Luis Antonio Tagle, das Filipinas, em busca de ajuda.Tagle contou que Prevost o perguntou "Como isso funciona?". "Eu tinha experiência em conclave", afirmou Tagle, "e ele não."
Ao contrário de Tagle, Prevost também não tinha o reconhecimento normalmente necessário em uma eleição entre tantos cardeais recém-nomeados que mal se conheciam. Sem perfil midiático nem base de apoio clara, o cardeal nascido em Chicago e formado pela Universidade de Villanova passou despercebido.
Mas Prevost não era um completo desconhecido. Como ex-líder da Ordem de Santo Agostinho, que atua em vários países, e chefe do departamento do Vaticano responsável pelos bispos no mundo inteiro, ele havia construído conexões poderosas. A principal delas havia sido Francisco, que acelerou sua carreira. Seus anos no Peru, seu espanhol fluente e sua liderança na Pontifícia Comissão para a América Latina lhe garantiram relações profundas e decisivas no continente.
"Quase todos nós o conhecemos. Ele é um dos nossos" disse o cardeal Baltazar Enrique Porras Cardozo, da Venezuela, que o conhece há décadas.
Nas semanas que antecederam o conclave, os cardeais participaram de reuniões privadas para discutir o futuro da Igreja. Ao contrário de Francisco, que se destacou com um discurso conciso e visionário, Prevost não sobressaiu em suas falas. "Como todos os outros", disse o cardeal Juan José Omella, da Espanha.
O cardeal Jean-Paul Vesco, da França, arcebispo de Argel, também não lembrava o que Prevost havia dito, mas teve a chance de conversar com ele nos bastidores —o que foi importante, segundo ele, porque o americano começava a ser considerado um possível candidato com base em seu "currículo incrível", italiano fluente, fama de moderado e proximidade com Francisco. O cardeal buscou referências com pessoas que haviam trabalhado com Prevost e ouviu que ele sabia ouvir e trabalhar em equipe.
"Fiz meu trabalho", disse Vesco. "Tenho que votar. Preciso conhecer a pessoa".
O cardeal Wilton Gregory, dos Estados Unidos, também afirmou que Prevost havia participado "de maneira eficaz" nas discussões em pequenos grupos.
Esses espaços mais íntimos jogavam a favor de Prevost, que já era conhecido em Roma por ser metódico, colaborativo e organizado, especialmente como líder de departamento no Vaticano.
"Admiro o jeito como ele conduz uma reunião", disse o cardeal Blase J. Cupich, de Chicago. "Isso é difícil de fazer, com gente de diferentes idiomas e culturas, tentando aconselhar o papa sobre quem deve ser bispo".
No dia 3 de maio, sábado, cinco dias antes do conclave, os cardeais sortearam os papéis-chave. Com 127 dos 133 eleitores presentes, Prevost foi escolhido para ajudar na condução das reuniões diárias antes do início oficial das votações.
À medida que diferentes alas discutiam os rumos da Igreja, os cardeais das Américas começaram a se reunir em torno de seu nome.
O cardeal Timothy M. Dolan, de Nova York, figura extrovertida, contou que tentou conhecer melhor seu compatriota durante um café da manhã. JáGerhard Ludwig Müller, da Alemanha, notou que uma base eleitoral estava se formando. "É um bom número de cardeais da América do Sul e do Norte", disse.
Porras, da Venezuela, observou que os cardeais latino-americanos e norte-americanos estavam "em sintonia" quanto a Prevost. "Quando há amizade primeiro", disse ele "tudo fica mais fácil".
Quanto mais os cardeais conheciam Prevost, mais gostavam, relataram. "Bob, isso pode ser proposto a você", disse o cardeal Joseph W. Tobin, de Newark, Nova Jersey, pouco antes do conclave.
Prevost reunia muitas das qualidades buscadas, segundo o cardeal Vincent Nichols, da Inglaterra: coração missionário, profundidade intelectual, experiência pastoral e atuação na Cúria Romana.
Não passou despercebido, disse Nichols, que Parolin —o diplomata-chefe do Vaticano— tinha experiência quase exclusivamente burocrática.
"Não somos estúpidos" comentou.
A reviravolta
Na quarta-feira, após a longa e solene procissão até a Capela Sistina, os cardeais tomaram seus assentos e fizeram seus votos. Pouco antes das 18h, as portas se fecharam, dando início ao conclave.
A meditação inicial —reflexões sobre o peso da tarefa— durou cerca de uma hora. Parolin, que presidia o conclave, chegou a perguntar se queriam adiar a votação para a manhã seguinte.
"Não jantamos e não houve nem sequer pausa para ir ao banheiro", disse David, das Filipinas. Ainda assim, o grupo decidiu prosseguir.
Com a votação começando por volta das 19h30, o atraso "sem explicações ao mundo externo" causou burburinho nas multidões à espera. Parecia que os cardeais já haviam escolhido um papa, e ele estaria apenas se vestindo para aparecer na sacada.
Mas a primeira votação foi, segundo Omella, da Espanha, "quase como uma sondagem".
"Na primeira votação, houve vários candidatos com número significativo de votos", disse o cardeal Lazarus You Heung-sik, da Coreia do Sul.
Entre os mais votados estavam Parolin, Erdo e Prevost, segundo pessoas do Vaticano.
De volta à Casa Santa Marta, os cardeais passaram a discutir os méritos de cada um.
"Uma vez em Santa Marta, falamos sobre os candidatos. É isso que devemos fazer" disse Nichols.
Müller, da Alemanha, crítico de Francisco que havia sido afastado por ele do cargo de chefe doutrinário da Igreja, disse que conversou com os latino-americanos sobre Prevost e ouviu que ele "não dividia".
O clima pró-Prevost crescia. A eleição estava vindo em sua direção.
Na manhã seguinte, as segunda e terceira votações do conclave tornaram isso claro. "Na quarta votação, os votos se voltaram massivamente para Prevost" afirmou o cardeal You.
Müller, sentado atrás do americano na Capela Sistina, notou que ele parecia calmo. Tagle, ao lado de Prevost, viu que ele respirava fundo à medida que os votos se acumulavam.
"Perguntei: Quer uma bala?" e ele disse que sim —contou Tagle.
Durante uma das votações, Tobin, ao erguer seu voto e colocá-lo na urna, olhou para Prevost —seu conhecido de 30 anos— e o viu com a cabeça entre as mãos.
Na votação final daquela tarde, os votos foram contados um a um. Quando Prevost chegou a 89 votos —o número necessário para a maioria de dois terços—, a sala explodiu em aplausos de pé.
"E ele continuava sentado!", disse David. "Alguém teve que levantá-lo. Todos estávamos emocionados."
Com os votos se aproximando dos três dígitos, Parolin precisou pedir que todos se sentassem para encerrar a contagem.
"Ele obteve uma maioria muito, muito expressiva", afirmou o cardeal Désiré Tsarahazana, de Madagascar.
Após a eleição, os cardeais o parabenizaram com entusiasmo. Um conclave breve e sem contestações havia terminado, e Leão 14 apareceu na sacada da Basílica de São Pedro para o mundo.
Tagle, o antigo favorito que dias antes explicara as regras do conclave ao americano, brincou: "Se quiser mudar alguma coisa nas regras do conclave... agora está tudo nas suas mãos."(Da Folha de SP)