
Dois casos distintos expõem a face oculta da violência doméstica envolvendo duas policiais militares que, antes de perderem o direito de usarem suas fardas, juraram proteger a sociedade. Ambas atualmente são as únicas duas mulheres que cumprem pena no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte paulista, unidade na qual dividem espaço com outros 227 PMs masculinos.
A ex-cabo Nagmar Pinheiro Pereira foi formalmente acusada e teve sua prisão preventiva decretada, em 18 de março de 2020, pelo assassinato de seu marido, um colega de farda, em janeiro do mesmo ano. Já a soldado reformada Silvana dos Santos foi presa em flagrante em 3 de fevereiro do ano passado pelos crimes de cárcere privado e ameaça, cometidos cerca de um mês antes contra sua companheira e a enteada adolescente.
O crime de Nagmar Pinheiro Pereira começou a ser desvendado em 18 de janeiro de 2020, quando um veículo Honda/Fit foi encontrado incendiado na Estrada Morro do Sabão, em Guarulhos, na Grande São Paulo, com um corpo parcialmente carbonizado no porta-malas. A vítima foi identificada como Neilo Rego Lione, também policial militar e marido de Nagmar, que era a proprietária do carro.
A perícia revelou que Neilo havia sido alvo de quatro tiros, distribuídos entre o braço e ombro esquerdos. Nagmar “estranhamente” — como destaca a investigação obtida pelo Metrópoles — recusou-se a comparecer no local após ser notificada.
As apurações da Polícia Civil se aprofundaram, com a análise de câmeras de segurança, as quais mostraram o carro de Neilo sendo seguido por um Fiat Uno, pertencente a uma amiga de Nagmar, além de a suposta ocultação do cadáver.
Uma testemunha sigilosa foi crucial para o caso, revelando que Neilo havia confidenciado problemas conjugais e ameaças de morte por parte da companheira, inclusive envolvendo a filha do casal, caso ele pedisse o divórcio.
Presa e condenada
Para a testemunha, ainda conforme relatado em depoimento, Nagmar confessou ter assassinado o marido, em 17 de janeiro de 2020, e ter pedido ajuda para desovar o corpo, juntamente com outra amiga de farda — que a teria auxiliado na tentativa de mover a vítima para o Fiat Uno, frustrada pela rigidez cadavérica.
Vizinhos também relataram ter ouvido barulhos de disparos ou um “estrondo” na noite do crime.
Nagmar Pinheiro Pereira foi indiciada por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e teve sua prisão preventiva decretada em 18 de março de 2020. A PM que a auxiliou a levar o corpo foi indiciada por ocultação de cadáver. O processo foi posteriormente transferido de Guarulhos para o Foro Central Criminal de São Paulo, pois o homicídio ocorreu na capital paulista.
A cabo foi condenada a 21 anos de prisão, em 27 de julho de 2023, e, em novembro do ano seguinte, perdeu oficialmente o cargo na PM.
Cárcere privado
Já o caso de Silvana dos Santos, policial militar reformada, veio à tona com sua prisão em flagrante em 3 de fevereiro do ano passado, após um período em que manteve em cárcere privado, além de ameaçar, a então companheira e a filha adolescente desta.
Os crimes ocorreram na residência da família, no bairro do Tremembé, zona norte de São Paulo, e se estenderam por aproximadamente três dias, entre janeiro e o início de fevereiro de 2024. Silvana trancou as vítimas em um cômodo, descartou o celular da companheira, para impedir comunicação, e ameaçou “constantemente” ambas com uma pistola calibre 380.
As condições de cativeiro impostas por Silvana eram desumanas, como pontuou a investigação obtida pela reportagem. A companheira dela foi forçada a urinar em um balde, juntamente com a filha, era humilhada e agredida física e psicologicamente. A adolescente chegou levar um soco na boca e um pontapé, como relatado em depoimento.
Em um ato de desespero e aproveitando-se de um momento de distração da agressora, a então enteada conseguiu enviar mensagens de socorro e fotografias do balde para uma tia, usando o celular de uma amiga, que na ocasião havia ido na residência. A tia acionou a Polícia Militar, para a qual a jovem vítima abriu o portão e indicou onde a arma de fogo de Silvana estava escondida. A pistola foi então apreendida. Silvana foi presa.
As provas apresentada à Justiça foram consideradas robustas para encriminar a soldado aposentada. São elas: os depoimentos das vítimas e da testemunha presencial — que emprestou o celular para a adolescente — , as mensagens de socorro enviadas, além dos laudos periciais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou recurso da PM presa, mantendo a condenação por cárcere privado qualificado (pela idade da vítima adolescentee pela relação conjugal com a outra vítima) e ameaça. Silvana foi sentenciada a 5 anos e 20 dias de reclusão em regime fechado, e 4 meses e 12 dias de detenção em regime semiaberto, além de multa, dada a gravidade concreta dos fatos e o uso de arma de fogo.(Do Metrópoles)