
O menino Rafael pensa em "fazer jornalismo" e quer conselhos. Não sou a pessoa mais indicada: na idade dele queria mesmo era ser maquinista da Estrada de Ferro Sorocabana.
As crianças crescem cedo, hoje. Certo que às vezes pelo lado errado, com essas coisas de droga e vodka e sertanejo universitário; mas estão bem mais adiantadas em relação as da minha turma.
Com a idade do Rafa eu tinha medo de assombração, usava calça curta e topete, tomava Biotônico Fontoura e me bastavam os peitinhos da Creuza, até porque aquele céu "tinha Damares", mais que isso dava surra de cinta e pai no Juizado.
Todo vizinho zeloso de sua prole conservava uma espingarda – de carregar pela boca – para uma emergência qualquer, que podia ser uma raposa no paiol ou algum gavião sem asa rondando seu quintal.
Hoje, tivesse saúde nas pernas tomaria de um cajado e de um Não-Destino e sairia pelo mundo, dando asas ao olhar; sem lenço, sem documento, mas com um cartão de crédito sem limites no bolso, que ser franciscano é bom, porém, nas sandálias dos outros.
Ah, mas não me arrependo do que fui e sou... Na verdade, somos de acasos. É ele, o fortuito, que determina nossos rumos. O livre arbítrio é tão livre que nos permite arbitrar nossa vida na roleta da sorte. E seja o que Deus quiser.
Um gol na várzea também libera endorfina, a beta, hormona do orgasmo. Não sendo pela Champions, que seja nos campos esburacados... Mas que seja!
O gozo não escolhe lençol, meu irmão, pode até ser no de Café do Brasil, Tipo Exportação ou no Santista de centenas de linhas finas...
Talvez o bom da vida seja isso mesmo: não sabermos por antecipação o que o futuro nos reserva. Certeza mesmo só a Indesejada da Gente um dia, sem prévio aviso, para nos sequestrar o último suspiro.
Não sei bem o que dizer ao Rafa, por isso estou divagando. Diria que, no jornalismo ou em qualquer outra prática, nada funciona direito se não houver um "gostar de fazer" e, principalmente, uma preocupação extremada com a ética.
Estou falando do óbvio, mas esse óbvio é tão desprezado no jornalismo que deveria ser mantra, antes de apertarmos a tecla "liga" do computador.
Sem essa de maiores ou melhores conselhos, portanto: o menino corre o risco de ouvir, desse colunista gauche na vida, que sair por aí, com um cajado nas mãos basta ao homem, já que o resto é roleta, mesmo.
Não sou bom conselheiro, comigo o sujeito cai na gandaia do jornalismo, lá onde o subjetivismo (para desespero dos puristas) predomina permitindo, a nós, os boquirrotos, tomar da jugular dos malfeitores, principalmente esses que mamam nas tetinhas do poder, sem correr o risco de parar no Juizado ou levar uma descarga de pólvora na bunda.
José Carlos Santos Peres é escritor