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    Deus me livre da moda, prefiro a companhia de um clássico como o Demônio

    513 Jornal A Bigorna 24/07/2023 17:50:00

    Um leve anacronismo pode ser uma forma de sobrevivência em meio ao mundo da intelligentsia. Trazer à tona assuntos fora de moda pode ser um indício de relevância —há que se lembrar que a moda é, por princípio, inimiga do pensamento original, por isso mesmo deveríamos lembrar esse detalhe metodológico a quem hoje se entrega ao debate maçante sobre a inteligência artificial, os impasses de gêneros e a "ameaça à democracia".

    Deus me livre da moda, prefiro a companhia de um velho clássico como o Demônio. Este, eterno como é, sempre será um debatedor elegante e sem pressa de conquistar nada, muito longe de quem "pensa" para ocupar espaços e engajar mudos.

    Para mim, a grande metáfora sintética da experiência humana na Terra é de uma ópera. Quão menos moderno como virtude melhor. Modernidade só como fado.

    Russell Kirk (1918-1994) foi um filósofo, crítico social e historiador das ideias. Sei que os inteligentinhos correrão a dizer que ele era conservador. Mas, esta palavra, normalmente, quando citada na grande mídia e na imensa maioria das universidades, significa, simplesmente, alguém que não seria de bom tom convidar para jantar em sua casa —não sei o que é pior, um estúpido progressista ou um reacionário que cospe nos outros quando fala. Ainda mais, depois do Bolsonaro, permaneceremos por décadas alienados dessa categoria histórico-filosófica.

    A título de ilustração, farei uma citação do Eliot, trazida por Benjamin G. Lockerd Jr, na introdução a terceira edição norte-americana da obra em questão, que consta na edição brasileira.

    "... E a possibilidade de condenação eterna é um alívio tão grande em um mundo de reforma eleitoral, plebiscitos, reforma dos sexos e do vestuário, que a própria danação é uma forma imediata de salvação – da salvação do tédio da vida moderna, porque, ao menos, dá algum significado para a vida".

    Eliot morreu em 1965. Inegável sua condição de profeta do vazio da modernidade e da miséria de nossas obsessões intelectuais. Para o poeta, enxergar o mal no mundo —ou o pecado, como queira— faria de você uma pessoa adiante do nosso tempo.

    A publicação de muitos títulos pela mesma editora da obra do historiador galês Christopher Dawson (1889-1970) é uma benção. Como apresentação ao seu "espiritualismo histórico", a recém-lançada obra do historiador Maurício G. Righi, "O Sábio de Malvern Hills, o espiritualismo histórico de Christopher Dawson" – publicação da mesma editora –, é uma excelente entrada no universo de um historiador que ousou dizer que as religiões estão no centro e são a matriz da dinâmica social e política, e não o materialismo dos modos de produção.

    Os títulos "A Criação do Ocidente, a religião e a civilização medieval" e "Progresso e Religião, uma investigação histórica" são exemplos consistentes de seu pensamento histórico.

    No primeiro, Dawson mostra como a idade média implicou uma dinâmica de liberdade do pensamento sem submissão a ordens políticas, portanto nunca foi a idade das trevas que nos acostumamos a pensar. Aliás, como diz o filósofo francês Alain de Libera, os medievais nunca foram monotemáticos e obcecados por uma ou duas ideias que explicariam tudo como nós modernos. Os pobres de espíritos somos nós.

    No segundo, o progresso como "industrialismo" ou o amor futurista a máquina, é visto como uma fraqueza de espírito, que ao invés de ampliar nossa visão da natureza, do mundo e de nós mesmos, nos atola na extinção de tudo que não seja imediato e calculável pelo dinheiro.

    Em meio a "terra desolada" —poema de Eliot— habitamos "corredores sombrios onde os sonhos nos espreitam, onde as histórias primitivas se escondem". O lugar em que "o vento escolheu como ninho", em que almas despedaçadas temem o destino dos "ossos secos".

    *Por Luiz Felipe Pondé

     

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