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    Escola é lugar de celular?

    1083 Jornal A Bigorna 13/03/2023 04:50:00

    Em muitas escolas brasileiras, a paisagem está mudando.

    Em vez da gritaria e corre-corre do recreio, crianças sentadas vendo TikTok ou conversando pelo WhatsApp. Adolescentes de 11 anos assistindo vídeos durante as aulas e colando na prova com o celular. A bagunça e a brincadeira na van trocadas por crianças silenciosas, olhando suas telinhas. Grupinhos excluindo e perseguindo os mais vulneráveis, os “diferentes” na vida online.

    Como escrevi na última coluna, criança e celular é uma combinação perigosa. Se não supervisionada, ficará horas em suas telas, afastada do mundo real, e muitas vezes consumindo lixo tóxico. Deitada, exilada de seu corpo, que perde a movimentação para a qual foi feito. Exilada do brincar ao ar livre e na natureza, seu território essencial. Exilada da sua própria imaginação e criatividade, hipnotizada por conteúdos vazios e viciantes. Exilada do contato com o outro, do aprendizado essencial da socialização. Além dos enormes riscos que uma criança corre se deixada circular livremente no perigoso universo digital.

    Escola é muito mais que um lugar para aprender matemática, história e português. É o espaço público primordial da criança, onde ela adquire habilidades importantíssimas, como autoconhecimento, empatia, capacidade de comunicação, colaboração, solução de problemas, foco e persistência, leitura e interpretação de textos longos, além de contato com artes, esportes e muito mais. Um lugar para aprender a pensar criticamente, a se relacionar com o outro, com o coletivo, com o mundo.

    A presença do celular no recreio e na sala de aula perturba tanto a aquisição dessas habilidades sociais, executivas e interpessoais, quanto o aprendizado das matérias formais.

    O argumento de que o celular traz segurança para a criança só tem sentido se ela faz o trajeto da casa à escola e vice-versa desacompanhada. Na minha opinião, a criança não deve usar o celular durante a permanência no ambiente escolar.

    A exceção seria o uso da tecnologia como uma ferramenta de ensino, inclusive para debater com os alunos justamente sobre as vantagens e os riscos do uso da internet móvel e das redes. Alguns exemplos do que professores podem fazer: discutir os mecanismos do vício digital e como evitá-lo, reduzindo e adequando o tempo de uso, mostrando a importância do sono, do exercício e do esporte, do contato com a natureza; falar sobre segurança, bom senso, respeito ao outro nesse universo. Promover o pensamento crítico sobre publicidade, consumismo, fama fácil e a vida fantasiosa dos outros, motivos de comparação que levam à perda de autoestima. Debater sobre fake news, golpes, privacidade, intolerância e preconceito, doutrinação e outros perigos. E fazer uma curadoria de conteúdo, mostrando que se pode usar as telas para aprender e se divertir de forma saudável.

    Tudo isso pode e deve ser feito a partir das experiências trazidas pelos adolescentes. Muitos têm o que contar. Histórias de bullying, tristeza exacerbada, automutilação e depressão não faltam.

    A relação com as telas não pode recair apenas nos ombros das famílias nem da escola. Precisamos responsabilizar as grandes corporações que geram o vício e lucram com ele. Controlar os grupos políticos extremistas que seguem criando um mar de mentiras e intolerância, disfarçadas de “liberdade de expressão”. E regulamentar a publicidade infantil, completamente desregulada na internet.

    Diante de toda essa complexidade e do imenso impacto na saúde mental e no aprendizado, é preciso iniciar um debate nacional sobre educação digital, em que participem autoridades de educação, gestores, especialistas, escolas, famílias. Precisamos com urgência de políticas públicas, campanhas informativas e educação de crianças, adolescentes e adultos.

    A conversa pode começar já, na escola de seus filhos, com um debate aberto e franco entre famílias e educadores, com apoio de especialistas. A segurança e o bem estar de nossas crianças não podem esperar.

    *Por Daniel Baker

     

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