
A fala de abertura do relator da ação penal 2668, ministro Alexandre de Moraes, tinha muitos recados direcionados especificamente para o público internacional. A cobertura da mídia estrangeira sobre o julgamento que pode levar à prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro divide-se entre veículos que enfatizam as críticas às ações do Supremo Tribunal Federal e aqueles que reforçam a importância da responsabilização dos envolvidos na trama golpista.
Ao abrir o julgamento, Moraes repetiu as expressões "respeito ao devido processo legal e ampla defesa" cinco vezes, "independência" do Judiciário seis vezes e "soberania nacional" quatro vezes, além de aludir a coação e interferência estrangeira cinco vezes.
Enquanto a revista britânica The Economist na semana passada defendeu, em grande parte, a atuação do STF no julgamento, com algumas ressalvas, reportagem do The New York Times foi mais crítica, apontando possíveis abusos.
O New York Times compra, em parte, a versão de que o julgamento é uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro, como afirma Donald Trump. O republicano usou esse argumento, além da violação da "liberdade de expressão" das big tech americanas, como justificativa para impor sua tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, sanções da Lei Magnitsky contra Moraes e revogação de vistos de vários ministros do Supremo.
Na semana passada, o jornal americano publicou reportagem analítica intitulada "O dilema democrático do Brasil: como processar um presidente - Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, está indo a julgamento. Mas seu caminho gerou preocupações de que o Judiciário tenha ultrapassado seus limites".
O texto afirma que Moraes "ordenou operações, censurou contas online, bloqueou redes sociais e, em alguns casos, prendeu pessoas sem julgamento" e que esses esforços resultaram em uma transição pacífica de poder. "Mas isso também levantou uma questão complicada: Isso representa uma virada perigosa e autoritária para o Supremo Tribunal do Brasil?", indaga.
O New York Times afirma que há muitas provas contra Bolsonaro e indica que ele mesmo admitiu, em depoimento na corte, que discutiu maneiras de continuar na Presidência após sua derrota para Lula em 2022 –ainda que insista serem todas dentro dos limites da Constituição. Mas o tom geral da análise coloca tanto as ações do Supremo como as de Bolsonaro como ameaças à democracia.
Em 16 de outubro do ano passado, o diário americano já tinha publicado uma reportagem bastante crítica a Moraes e ao STF, com o título: "A Suprema Corte do Brasil está salvando ou ameaçando a democracia?"
Em sua fala de abertura do julgamento, Moraes rebateu críticas a excessos da corte e mencionou um "legítimo exercício pelo Supremo Tribunal Federal de sua competência penal conferida pela Constituição em 1988".
Ele também enfatizou a pressão do governo Trump, aspecto não abordado no texto do New York Times. Em sua fala, disse que o STF irá julgar "com imparcialidade" e aplicar a justiça a casos concretos, ignorando "pressões internas e externas". Apontou para a tentativa de "submeter o funcionamento da corte ao crivo de outro Estado estrangeiro".
A Economist que circulou na semana passada com capa dedicada ao Brasil trouxe três textos sobre o julgamento de Bolsonaro. O primeiro, mais opinativo, era intitulado "Brasil dá uma aula em maturidade democrática" e afirma que, "como nossa investigação sobre a trama explica, o golpe fracassou por incompetência, e não por falta de intenção".
A revista britânica diz que o julgamento de Bolsonaro faz do país um exemplo de como nações podem se recuperar após febres populistas. E critica as tentativas do governo Trump de interferir no julgamento, afirmando que os EUA estão usando tarifas, sanções e cassação de vistos "em uma tentativa de forçar uma democracia a subverter seus sistemas de Justiça".
A publicação critica concentração de poder da corte e aponta para reformas institucionais necessárias no país, entre elas, uma redução do escopo de ação do STF, que hoje funciona como "última instância de apelos, decide todas as questões relacionadas à Constituição e todos os casos criminais contra políticos". Mas, no geral, analisa como positiva a ação do STF nas ações contra a trama golpista.
"Diferentemente de outros países em que o populismo antiliberal emergiu, como nos EUA, Hungria ou Turquia, as instituições do Brasil, notadamente sua Suprema Corte, não receberam isso de forma passiva."
Em conversas, integrantes do Planalto afirmam acreditar que, internacionalmente, os bolsonaristas não estão conseguindo emplacar sua versão de que não houve uma tentativa de golpe de verdade, que o julgamento do STF é viciado e que não há pleno direito de defesa para Bolsonaro.(Da Folha de SP)