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    336 Jornal A Bigorna 13/11/2022 19:00:00

    Palanque do Zé

    Há 60 anos, estávamos em plena Crise dos Mísseis de Cuba e muito, muito perto do Apocalipse. É que os russos quase instalaram mísseis nucleares em Cuba, só para afrontar os Estados Unidos.

    É claro que o Governo Kennedy não gostou, pois estavam em plena Guerra Fria com os soviéticos e impôs um bloqueio naval a Cuba, o que desagradou a Fidel Castro, que estava tentando usar Khrushchev para se dar bem.

    Com tanta gente poderosa chateada e com bombas nucleares envolvidas no assunto, tudo podia dar errado. Mas não deu, para a nossa sorte. A maior prova disso é que eu estou aqui para escrever essa coluna e você, para ler!

    Esse foi o resumo da história, mas os detalhes que permaneceram secretos por mais de meio século vieram à tona nas últimas décadas e tornam a história ainda mais intrigante.

    Vamos aos fatos:

    Com o final da Segunda Guerra Mundial, ainda no âmbito da Operação Paperclip, os Estados Unidos contrataram a maioria dos cientistas nazistas responsáveis pelos foguetes V2.

    Mas os soviéticos não ficaram atrás e fizeram o mesmo. Como os russos não são, historicamente bons anfitriões, seus contratados não tinham tanta vontade de trabalhar e rendiam pouco. Você sabe, ambiente de trabalho tóxico e produtividade nunca combinaram.

    A então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) até conseguiu fazer alguns mísseis, mas os Estados Unidos tinham se saído melhor, com modelos melhores e em muito maior quantidade.

    A diferença era tamanha, que o Presidente Kennedy cunhou o termo “míssil gap” algo como “ausência de mísseis”, para se referir a disparidade entre os arsenais soviéticos e americanos.

    Tanto os relatórios públicos quanto os secretos, produzidos por espiões, previam a existência de algo como 1.500 mísseis balísticos intercontinentais soviéticos em 1963. Mas eles só tinham quatro, como viemos a saber depois.

    Na época, visando parar os soviéticos, Kennedy mandou instalar vários mísseis balísticos de alcance intermediário (IRBMs) nos países aliados dos EUA na Europa, justamente naqueles que faziam fronteira com as nações soviéticas.

    Na URSS, os políticos estavam preocupados, pois agora os EUA tinham mísseis capazes de alcançar cidades importantes como Moscou, Leningrado e Stalingrado em poucos minutos.

    É claro que os soviéticos poderiam retaliar um eventual ataque, mas só estariam destruindo a Europa, pois eles não contavam com mísseis intercontinentais para atacar o território dos Estados Unidos em si.

    Pensando em como resolver essa questão, Khrushchev se lembrou que seu amigo Fidel Castro era vizinho dos EUA e louco o suficiente para topar se meter numa crise nuclear sem precedentes.

    Fidel era louco sim, mas nem tanto. Na verdade, ele precisava se meter nessa baita confusão, pois sempre fora alvo constante de tentativas de assassinato por parte do Governo Americano. Os EUA financiavam guerrilhas oposicionistas e, em 1961, tinham levado adiante a Invasão da Baía dos Porcos, quando um grupo de guerrilheiros financiados pela CIA tentou desembarcar em Cuba. A Operação falhou miseravelmente, mas serviu para mostrar a Fidel que ele precisava agir. E, como sabemos, situações desesperadas demandam soluções desesperadas.

    Foi nesse contexto que o Ditador Cubano topou que os russos instalassem mísseis e levassem suas tropas ao país caribenho, que passaria a contar com uma defesa antiaérea convencional, algo excelente para dissuadir os americanos de tentarem uma nova invasão, já que os soviéticos considerariam tal ato como um ataque às suas posições.

    A operação para instalar tais mísseis bem debaixo do nariz do Tio Sam ocorreu em sigilo absoluto, tanto que nem mesmo a maioria dos homens embarcados nos navios sabiam o real destino da embarcação, tanto que saiam usando roupas de inverno, pois lhes disseram que iam para o ártico. Somente depois de estarem em mar aberto, descobriam que seu destino era Cuba, a maravilhosa terra dos charutos, da cuba libre e do socialismo fracassado (como sempre).

    No total, a União Soviética enviou 43 mil homens para Cuba, entre maio e outubro de 1962. Tanta movimentação até fez os americanos desconfiarem de algo, mas os russos negaram qualquer coisa, como sempre.

    Como era ano eleitoral nos EUA, ninguém entre os políticos ligou muito para as movimentações atípicas de russos no Caribe, assim os relatórios secretos foram solenemente desconsiderados até que a existência dos mísseis fosse confirmada, o que aconteceu em agosto de 1962, quando os aviões-espiões U2 americanos fotografaram baterias de mísseis antiaéreos SA-2 em Cuba.

    Se Kennedy não estava ligando muito para o assunto até então, o mesmo não pode ser dito do Senador Kenneth Keating, que aos 31 de agosto, fez um discurso no Congresso alertando para a construção de uma base de mísseis em Cuba. Para ele, uma invasão soviética aos Estados Unidos era iminente.

    Durante quase cinco semanas pouco aconteceu, por questões práticas. Como um avião U2 havia sido derrubado na China, os militares americanos estavam com medo de sobrevoar Cuba e o pior acontecer. Nesse meio tempo, eles preferiram usar satélites, mas na época isso não era tão fácil. Fora que havia uma conveniente e espessa cobertura de nuvens atrapalhando os americanos e favorecendo os russos e cubanos.

    Mas aos 14 de setembro o tempo abriu, e um U2 conseguiu tirar mais de 900 fotografias. Foi quando descobriram que haviam mísseis R-12 Dvina e R-14 Chusovaya, com 2500 e 4500Km de alcance respectivamente.

    Dessa vez, John Kennedy decidiu agir e formou um Comitê de Segurança Nacional, que incluía seu irmão, Bob Kennedy, então Procurador-Geral dos Estado Unidos. Ele era a favor de um ataque imediato, mesma opinião do Pentágono, que também considerava a possibilidade.

    O objetivo deles era destruir os mísseis russos antes que estivessem operacionais. As consequências, provavelmente, seriam que os soviéticos atacariam algum aliado como retaliação, haveria guerra, mas ao menos o território americano estaria a salvo.

    As outras opções seriam: Os EUA poderiam deixar pra lá e perder a vantagem estratégica, fazer um ataque limitado a destruição dos mísseis, invadir Cuba ou apelar para a solução diplomática.

    Analisando tudo, Kennedy decidiu decretar o ainda atualmente vigente Embargo Econômico a Cuba e fazer um bloqueio naval. Mas não sem antes pedir ao seu Assessor de Imprensa, Pierre Salinger, que comprasse “uns 1.000 charutos” Petit Upmann.

    A história foi revelada ao mundo pelo próprio Salinger numa entrevista à revista "Cigar Aficionado" ainda no ano de 1992. "O Presidente chamou-me ao seu gabinete e disse:

    - "Pierre, necessito de ajuda".

    - "Terei todo o prazer em ajudá-lo Presidente, diga".

    - "Preciso de muitos puros", disse.

    - "De quantos, Presidente?", questionei.

    - "De uns mil Petit Upmann".

    - "E quando precisa deles senhor Presidente?".

    - "Amanhã de manhã".

     

    Saí do gabinete perguntando-me o que iria o Presidente fazer com tantos charutos, mas como era um fumador inveterado de cubanos... e eu conhecia todas as lojas onde eram vendidos, resolvi o problema do Presidente nessa mesma tarde”, explicou Pierre Salinger.

    Na manhã seguinte, quando Pierre chegou ao escritório, seu telefone já tocava e era Kennedy.

     

    - "Como foi?".

    - "Muito bem", garantiu Pierre.

     

    Ele tinha conseguido 1.200 charutos cubanos para Kennedy e, ao entregá-los, viu o então homem mais poderoso do Mundo sorrir e abrir uma gaveta de sua escrivaninha. Pegou um documento e assinou-o de imediato. Era o Decreto proibindo todos os produtos de Cuba nos Estados Unidos, inclusive os charutos, que passaram a ser ilegais a partir daquele momento.”

    Após resolver o seu problema pessoal, o bloqueio foi efetuado por Kennedy e levado à Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), que votou a favor do bloqueio, com envio de embarcações da Argentina, Venezuela e Colômbia para auxiliar a frota americana.

    Em outubro de 1962, a Crise dos Mísseis chegou ao seu ápice durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, quando o Embaixador Soviético negou a existência dos mísseis e desafiou os EUA a apresentarem provas. E foi exatamente o que Adlai Stevenson, Embaixador dos EUA na ONU fez, ao apresentar um cavalete com fotos ampliadas dos mísseis, tiradas por um U2.

    Esquadrões inteiros de bombardeiros foram dispersados pelos Estados Unidos, centenas de aviões ficaram no ar permanentemente e armados com ogivas nucleares. Isso sem falar que as bases de lançamentos de mísseis intercontinentais ficaram em alerta máximo, precisando de poucos minutos entre a ordem e o lançamento.

    O bloqueio naval continuava, mas alguns navios conseguiram passar, outros foram inspecionados e seguiram viagem, muitos deram meia-volta, mas nada disso interferiu nos planos russos, pois os mísseis continuavam a ser montados.

    Nos bastidores, Kennedy dizia que achava que teria que atacar, mesmo sabendo que seus mísseis instalados na Europa eram obsoletos e seriam retirados em breve. O que ele não sabia, é que Khrushchev estava apenas seguindo a linha dura do Politburo, muito sem vontade de agir para colaborar com o fim do mundo. Até por isso, havia impedido suas tropas de atirarem em aviões americanos isolados.

    As mesmas ordens foram dadas e solenemente ignoradas pelos cubanos em 27 de outubro, quando acertaram um U2 pilotado pelo Major Rudolf Anderson, que foi abatido por um míssil SA-2. Muitos dizem que um comandante soviético violou as ordens superiores. Khrushchev diz que foi ordem de Raul Castro.

    Mas, para a alegria geral da humanidade, um dia antes desses acontecimentos, o chefe da KGB na Embaixada Soviética em Washington havia convidado John Scali para um almoço. Scali era correspondente rede de TV ABC, mas antes havia sido Embaixador dos EUA nas Nações Unidas e tinha muitos contatos.

    E o que Scali ficou sabendo, era que se os americanos estivessem dispostos a negociar, os soviéticos ficariam felizes. A proposta de acordo era simples:

    - Os EUA não invadiriam Cuba;

    - Cuba diria publicamente que não aceitaria futuras armas nucleares soviéticas em seu território e,

    - Os russos fariam a remoção das armas existentes em Cuba.

    O único descontente nessa história toda era Fidel, que queria ver estourar uma guerra entre os seus camaradas russos e os “malditos ianques”, mesmo sabendo que isso provavelmente seria o fim de seu regime ditatorial e, quem sabe, até mesmo de seu país.

    Os russos, na verdade, nunca confiaram nos cubanos e sempre mantiveram um controle muito rígido sobre os mísseis, tanto que as ogivas nucleares ficavam armazenadas a cinco horas de distância dos lançadores de mísseis, de modo a impossibilitar que o Governo Cubano fizesse algo sem autorização do Kremlin.

    No final de tudo, EUA e URSS chegaram a um acordo, o bloqueio naval contra Cuba foi removido, a União Soviética retirou seus mísseis do país, e Washington não tomou mais quaisquer atitudes militares contra Fidel, apesar de manter vigente até hoje, o Embargo Econômico a Cuba.

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