
Semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), transformou o Brasil no único país “democrático” do mundo, onde a regulação do conteúdo publicado nas redes sociais é feita pelo Poder Judiciário, sem passar pelo crivo do Poder Legislativo.
O quanto decidido pela Corte no julgamento que analisava a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet impõe às plataformas digitais a obrigação de remover automaticamente conteúdos considerados “antidemocráticos” e outros crimes graves, sob pena de sanções civis – tudo isso sem a necessidade de ordem judicial.
A medida foi aprovada por 8 votos a 3, e redefine o alcance do artigo 19 do Marco Civil da Internet, até então protetor da neutralidade das plataformas quanto ao conteúdo gerado por terceiros, cujo objetivo era justamente garantir um ambiente democrático na Rede Mundial de Computadores. Com a nova orientação, o STF entendeu que a proteção constitucional à democracia, à dignidade da pessoa humana e à segurança pública exigiria intervenções preventivas e automáticas das empresas de tecnologia.
É isso mesmo que você ouviu. Assim como no clássico de George Orwell, 1984, agora também temos uma lista prévia do que não se pode dizer.
A decisão inclui, entre os conteúdos a serem removidos de forma imediata: Atos antidemocráticos (previstos no Código Penal), incitação à discriminação (por raça, religião, gênero ou orientação sexual), crimes contra a mulher, pornografia infantil, tráfico de pessoas, entre outros.
Talvez agora você esteja pensando: Ah, mas não é tão ruim assim! Quem defende incitação à discriminação? Crimes contra a mulher? Pornografia infantil? Tráfico de pessoas? Ninguém!
Acontece que eles puseram esse tipo de crime no julgamento, justamente para dar-lhe um ar de razoabilidade. Fora que realizar postagens com esse tipo de teor já era crime, ou seja, nada mudou!
O que preocupa é o vasto e vago campo semântico da expressão “condutas antidemocráticas”. Sob essa mesma frase doce e mágica aos ouvidos dos censores, nos últimos anos, o STF já enquadrou desde postagens com críticas ao processo eleitoral até memes sobre ministros da Corte. Em nome da “defesa da democracia”, o Supremo assume agora o papel de regulador direto do discurso público, criando um precedente perigoso para o controle da informação.
Como Advogado, sei que a amplitude dessa nova interpretação judicial sobre o que é ameaça ao Estado Democrático de Direito abre brecha para que qualquer fala contrária ao Governo seja considerada subversiva.
Inclusive, o professor Venceslau Tavares Costa Filho, da Universidade de Pernambuco, em entrevista ao Jornal Gazeta do Povo foi além: “Se uma publicação que defende o impeachment de um presidente democraticamente eleito pode ser vista como antidemocrática, então estamos diante de um critério subjetivo e politicamente sensível.”
E pior. A aplicação prática da tese dependerá, em grande parte, de algoritmos e sistemas automatizados, o que certamente trará um efeito colateral previsível: A autocensura das plataformas, que só sentem o golpe quando esse lhes atinge o bolso.
Certamente, com receio de eventuais responsabilizações, as empresas donas das redes sociais tenderão a remover conteúdos politicamente polêmicos ainda que não constituam crime, apenas por precaução jurídica. O cálculo é simples: Deixamos esse Zé Ruela falar e corremos o risco de perder dinheiro ou apagamos a sua postagem e o jogo segue? O capitalismo (que eu amo) já escolheu um lado, e não é o da democracia, nesse caso!
Desse modo, a “censura algorítmica” não será imposta pelo Estado diretamente, mas delegada às empresas privadas, que agora operam como fiscais preventivos do conteúdo público. Trata-se de um modelo de controle privatizado, opaco e sem mediação democrática. Numa tacada só, o STF nos retirou a liberdade de expressão e a soberania nacional.
O Brasil, com isso, se afasta do padrão internacional. Nem mesmo em países autoritários como a Venezuela, onde o Legislativo é controlado pelo Executivo, a regulação das redes foi feita exclusivamente pelo Judiciário. Lá, ao menos, a aparência do rito constitucional foi mantida. Aqui, o STF autodeterminou-se imbuído da função normativa, fixando regras e sanções que deveriam ser fruto de ampla deliberação do Congresso Nacional, após ampla discussão social.
Penso que é legítimo querer proteger a democracia. Eu mesmo, sou um democrata ferrenho. E é exatamente por isso que acredito que a democracia se constrói com liberdade de crítica, pluralismo de ideias e respeito aos processos legislativos. Quando o Judiciário se torna legislador e censor ao mesmo tempo, o risco é que, em nome da proteção ao regime democrático, o que se esteja minando seja exatamente a sua essência: O livre debate de ideias.
Nesse ritmo, logo veremos comediantes sendo condenados só porque contaram uma piada... Ops!
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