• Pepe Mujica entendeu que democracia é valor central

    63 Jornal A Bigorna 15/05/2025 20:00:00

    As homenagens que se seguiram à morte, aos 89 anos, de José Pepe Mujica, presidente do Uruguai de 2015 a 2020, denotam que se foi um tipo muito especial de líder político, singelo em grau monástico nos hábitos pessoais, tão firme nas convicções quanto consciente das limitações e das virtudes da política e sobretudo propagador do valor central da democracia.

    A trajetória de Mujica gravou no seu corpo e na sua memória as marcas da violência política que grassou na América do Sul na segunda metade do século 20. Ingressou no grupo guerrilheiro esquerdista Tupamaro nos anos 1960, ainda antes de o Uruguai converter-se numa ditadura.

    Preso em 1972, passou os 13 anos seguintes no cárcere, submetido a torturas e a um prolongado período em solitária. Libertado no colapso do regime autoritário, entrou na política partidária nas fileiras da Frente Ampla, que uniu militantes da esquerda moderada à radical.

    Vinte anos se passariam até que a coalizão conquistasse a Presidência, com Tabaré Vázquez. Mujica sucedeu o correligionário em 2010 e foi pelo mesmo Tabaré sucedido em 2015. Até certo ponto, o pequeno país de 3,5 milhões de habitantes se embalava na vaga esquerdista que então prevalecia na América do Sul.

    Havia no entanto algo diferente na esquerda uruguaia em relação às que governavam Brasil, Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela à época. Mujica e seus colegas —e também os progressistas do Chile— haviam aprendido duas lições até hoje ignoradas pelos seus demais pares continentais.

    A primeira delas diz respeito à condução responsável da economia e das contas públicas. Uruguai e Chile atravessaram o período sem apelar para demagogias inflacionárias e intervencionistas tão em voga na região. Não por acaso, são os países sul-americanos mais ricos considerando-se a renda per capita.

    A segunda lição, que uruguaios e chilenos de esquerda também compartilham, é não relativizar a democracia. Foi Mujica, com sua serenidade, um dos primeiros a tentar abrir os olhos de seus colegas regionais para a deriva autoritária do chavismo na Venezuela e de Ortega na Nicarágua.

    Pepe Mujica mostrou que não é preciso adular autocratas amigos, como Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer com Vladimir Putin, para cumprir a agenda da esquerda moderna. Aprovou legislações liberais para o consumo da maconha e o aborto que não foram revertidas por governantes conservadores que o sucederam. É um colosso de legado que não deveria ser esquecido.(Da Folha de SP)

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