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    Por que as pessoas são tão horríveis e mesquinhas nas brigas das redes sociais?

    1821 Jornal A Bigorna 26/07/2021 20:50:00

    Quando comecei a usar o Twitter, 14 anos atrás, eu morava no Michigan e estava fazendo meu mestrado. Minha cidade tinha cerca de 4.000 moradores, entre os quais poucos negros e poucos não brancos de qualquer etnia; tampouco havia muita gente querer, ou muitos escritores.

    Foi online que encontrei uma comunidade mais ampla que a de meus colegas de curso. Acompanhei o trabalho de outros escritores emergentes e fiz amizade com eles; alguns continuam a estar entre meus amigos mais fiéis. Tive a oportunidade de trocar opiniões, receber memes, processar o que se passava no noticiário em companhia de outros e desfrutar da efervescência coletiva de assistir a programas televisivos de premiação com milhares de desconhecidos.

    Alguma coisa de fundamental mudou, de lá para cá. Já não gosto da rede social. Faz algum tempo que sinto isso, mas hesitava em admitir.

    Sinto cada vez mais que o engajamento online é alimentado pela falta de esperança que muitas pessoas sentem ao considerar a situação do mundo e os desafios que enfrentamos em nossas vidas cotidianas.

    Espaços online oferecem a ficção esperançosa de que existe um nexo causal tangível —de que uma injustiça será respondida por consequências imediatas. No Twitter, podemos exercitar uma modesta dose de poder, vingar afrontas, punir vilões e exaltar aqueles que tenham um coração puro.

    Em nossa busca por esse simulacro de justiça, porém, perdemos todo senso de proporção e de escala. Temos desprezo igual por um criminoso de guerra e por um escritor de ficção que tome emprestado de forma transparente demais os detalhes da vida alheia. É difícil calibrar de que modo nos engajamos ou discutimos.

    Na vida real, somos Davis medrosos encarando muitos Golias aparentemente onipotentes: uma Suprema Corte que está a ponto de solapar o direito ao aborto e os direitos civis; o mar que está em chamas por um vazamento de petróleo; um ataque incoerente mas surpreendentemente efetivo a que ensinemos a verdadeira história dos Estados Unidos às crianças; o desmantelamento da Lei do Direito de Voto; um homem que dezenas de mulheres acusaram de agressão sexual sendo libertado por falhas técnicas de processo.

    Pelo menos online, podemos dizer a nós mesmos que os desequilíbrios de poder que nos separam desaparecem. Subitamente, todos somos Golias no vale de Elá.

    Admitir que tenho algum poder e influência online me causa desconforto, porque o fato me parece tão estranho, ou talvez improvável. Os seguidores que conquistei online vieram aos poucos, e de repente seu número explodiu.

    Eu tinha cerca de duas centenas de seguidores. O número cresceu lentamente para dois milhares. Aí escrevi um par de livros, me distraí, e de repente centenas de milhares de pessoas liam meus tuítes.

    A maioria delas aprecia meu trabalho, embora possa discordar de minhas opiniões. Há quem simplesmente me odeie, o que é direito dessas pessoas, que me seguem e vasculham o que escrevo em busca de provas que sustentem ou intensifiquem sua inimizade. E há aqueles que me assediam por todo tipo de razão —algum aspecto de minha identidade, ou do meu trabalho, ou da minha presença no mundo turva suas águas emocionais.

    Depois de algum tempo, as distinções se tornam menos nítidas e é difícil saber quem é amigo e quem é inimigo. Depois que alguém se vê como alvo de dose suficiente de agressões, tudo começa a parecer um ataque. A sensibilidade se aguça e a pessoa termina sem defesa. Fica mais e mais difícil distinguir críticas feitas de boa-fé de mesquinharias ou crueldades. Também se torna mais difícil deixar de lado discussões sem sentido que nada têm a ver com a pessoa.

    Uma experiência que um dia foi agradável e divertida se torna estressante e em geral desagradável. Não creio que eu seja a única a me sentir assim. Todos nos tornamos martelos em busca de pregos.

    Uma pessoa faz uma afirmação. Outras questionam algum aspecto dessa afirmação. Ou apontam para todas as circunstâncias que a afirmação original não levou em conta. Ou distorcem a afirmação original e a extrapolam para que cubra uma questão mais ampla na qual estejam profundamente investidas. Ou tomam um exemplo isolado de alguma coisa e o associam a alguma tendência cultural imensa. Ou mencionam alguma coisa ridícula que alguém disse uma década atrás como confirmação de Deus sabe o quê.

    Ou alguém popular chega perto demais do Sol e de repente nada do que a pessoa faz pode ser certo. As curtidas são analisadas obsessivamente, como se apertar um botão na mídia social fosse representativo de toda uma ideologia.

    Se um erro foi cometido, se torna prova imediata de que quem o cometeu não pode ser redimido. Ou, quando uma pessoa termina considerada como vagamente responsável por um erro, um coral rasga as vestes em protesto, lastimando a desumanidade da cultura do cancelamento.

    Todos os danos são tratados como traumas. Vulnerabilidade e diferença são transformadas em armas. As pessoas presumem as piores intenções. Argumentos apresentados com má-fé abundam e são alardeados com indignação ruidosa.

    E estou falando das discussões online mais razoáveis. Há outra categoria inteiramente, de racistas, homofóbicos, transfóbicos, xenofóbicos e outros fanáticos incansáveis no ataque aos alvos de sua ira, e que o fazem sem sofrer qualquer restrição por parte das plataformas que facilitam seu trabalho. E temos também, é claro, os “trolls” escancarados, que semeiam a destruição alegremente.

    Como alguém que tem presença online há muito tempo, já vi toda espécie de discussão e conversa ridícula. Participei de toda espécie de discussão e conversa ridícula. Recentemente, comecei a pensar que aquilo que propele tanta raiva e antagonismo online é nossa impotência offline.

    Online desejamos ser bons, fazer o bem, mas, a despeito dessas aspirações morais elevadas, existe pouca generosidade ou paciência, quanto mais gentileza humana. Há um anseio desesperado por segurança emocional. Há uma esperança desesperada de que, se todos nos tornarmos suficientemente perfeitos, e se exigirmos dos outros a mesma perfeição, não haverá mais sofrimento ou dor.

    Isso é muito irritante. E também inteiramente compreensível. Há dias em que, quando leio as notícias, a sensação é a de estar me afogando. Creio que a maioria de nós sinta o mesmo. Pelo menos online, podemos usar nossas vozes e saber que seremos ouvidos por alguém.

    Não admira que busquemos controle e justiça online. Não admira que o teor do engajamento online tenha decaído de forma tão profunda. Não admira que alguns de nós estejamos cansados disso.

    Não lamento o tempo que passei nas mídias sociais. Conheci pessoas interessantes. Tive aventuras na vida real instigadas por relacionamentos virtuais. Fui estimulada a me desafiar e a crescer como pessoa e, sim, a aplaudir de volta quem me aplaude.

    Mas tenho uma vida mais movimentada hoje. Tenho uma carreira ativa, me casei, meus pais estão envelhecendo e minha família é grande. Tenho mais mobilidade física e isso, por sua vez, me torna mais interessada em me manter ativa, em viver mais no mundo.

    Agora passo a maior parte do meu tempo com pessoas que não ficam muito online. Quando converso com elas sobre alguma estranha ou frustrante conflagração na internet, elas tendem a me olhar como se eu estivesse falando um idioma estrangeiro de uma terra distante. E suponho que de fato estou.(Por Roxane Gay-THE NEW YORK TIMES)

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