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    Tango e as cinzas de papai

    1412 Jornal A Bigorna 12/07/2021 20:00:00

    Estou deprimido demais. Sou destemido e o melhor detetive particular do mundo, mas, confesso que estou abalado.

    Papai se fora.

    Os bicheiros da zona Sul não perdoavam dívidas e papai foi brutalmente assassinado. Seria mais um caso para mim, eu, Afrânio Tango, contudo, neste momento de dor, não pensava em vingança.

    Conquanto a gente tivesse se conhecido há pouco tempo e ele sumido novamente (era um ‘galinha’ do caramba), desta vez a sorte não deu pra ele. Seu Gerinelson era um galã pelo qual mamãe se apaixonara e desse amor, surgiu eu, esse que vos escreve, Afrânio.

    Mamãe estava inconsolável, já que além de ter que pagar pela cremação, papai ainda lhe deixou umas dívidas com os bicheiros. Mamãe é honrada. Pagou a dívida no cemitério. Os ‘caras’ não perdoam nem a nossa dor. Vão cobrar na cara dura até quando a morte chega em nossa família.

    Pobre mamãe.

    No cemitério as honrarias foram rápidas e logo me entregaram uma ‘caixinha preta’, muito bonita, por sinal. Preguntei pro cara que tinha ‘cara de barata’ o que era, e ele me disse que eram as ‘cinzas de papai’.

    Enfim, sou órfão agora.

    Mas mamãe está comigo, ela nunca me abandona.

    Depois do crematório, inconsolável fui parar no Bar da Gertrudez. Lá o forró comia solto e a cachaça estava em ‘serv-service’. A Gegê é demais. Tanto Herculano como eu não paramos um minuto. Era dançamento pra todo lado.

    Que povo animado!

    Mas a noite sempre acaba e o sol aparece para acabar com nossa noite de festança.

    Peguei um táxi com papai na caixinha.

    Chegando em casa coloquei a caixinha na mesa da cozinha, caminhei a passos lentos e murmurantes até o quarto e depois, bem, depois não me lembro de mais nada.

    Dormi e acordei somente noutro dia.

    Às vezes o cansaço bate!

    Não é fácil essa vida adulta da noite.

    Era um dia especial. Era aniversário do Herculano. Meu irmão-amigo (gay mas é meu amigo). Assim, não tive dúvidas. Preparei uma festa surpresa para ele aqui no apartamento mesmo. Chamei alguns amigos e comprei bastante uísque pra agitar a galera. Até a Gegê deu as caras.

    ‘As meninas palito’ tocaram noite toda e a festa até que foi animada. Minha futura namorada (ela não sabia ainda que seria pedida em namoro) a Magnólia também apareceu e isso me deixou ainda mais alegre.

    Apesar de ainda estar de luto por papai, a vida não podia parar.

    Após uma bela noite de folguedo, por fim, todos, exceto Herculano e Gegê foram embora. Confesso que tentei dar uns beijos na Magnólia, mas a ordinária não deu o braço a torcer.

    Algum tempo depois, a ressaca começou a bater logo após umas horas estirados no sofá.

    Quando acordei a Gertudez havia feito café e ovos mexidos. Comemos alegremente, até que Herculano disse em tom estranho que o café estava forte e com um gosto estranho.

    Gestrudez estranhou.

    Voltou da cozinha com uma caixa preta nas mãos e mostrou de onde pegara o pó de café.

    Bebemos papai!

    ‘Caraca’, gritei com Gertrudez. Eram as cinzas de papai que estavam aí. Ela olhou a caixa e caiu em prantos, não antes de gritar: ‘tomei o difunto’.

    Não sei se há maldições ou pragas pela gente ter bebido o próprio pai, só ouvia o Herculano vomitando como um louco no banheiro.

    Pobre papai!

     

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