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    Tango e o homem da noite

    394 Jornal A Bigorna 31/12/2023 07:50:00

    A noite caía sobre a cidade, seus prédios lançando sombras como acordes desafinados em uma partitura urbana. Em meio a essa sinfonia noturna, o detetive Tango caminhava pelas ruas pavimentadas com o passo decidido de quem conhece cada nota da melodia que se desenrola nas sombras.

    Seu escritório era um refúgio de atmosfera sombria e cheiro de café amargo. Tango, um homem de meia-idade com olhos perspicazes e um charuto sempre presente, examinava os detalhes como um maestro analisando a partitura antes do grande concerto. Sua fama não vinha apenas da habilidade de desvendar mistérios, mas da arte com que conduzia suas investigações.

    Naquela noite, um cliente misterioso cruzou a soleira da porta. Uma figura envolta em sombras, usando um chapéu abaixado e uma capa que sussurrava mistério. "Tango," disse a voz, uma sinfonia grave e inescrutável. "Preciso de sua ajuda."

    Naquele momento, eu parecia estar sonhando.

    Mas era real.

    E assim começou o último movimento da sinfonia macabra. O cliente buscava respostas para um enigma complexo, cheio de reviravoltas e traições — eu era a solução.

    Foram semanas de ininterruptas investigações. Nunca em minha  solvida vida me dediquei a um caso , tanto como estava imbuído neste.

    Durante os interrogatórios, soube ser firme como o bater de um tambor, arrancando confissões e revelações. Em momentos de diálogo, minhas palavras eram como notas suaves de um violino, acalmando suspeitas e ganhando a confiança de testemunhas relutantes.

    Noites sem dormir, em cada rua percorrida, em cada pista seguida. O caso era macabro. Sou impetuoso e, confesso que até no forró do Bar da Gertrudrez deixei de ir; mamãe preocupada abriu um boletim de ocorrência de desaparecimento e depois foi pra França curtir com o novo namorado; mamãe se preocupa comigo -  ela é demais.

    Vocês acham que nunca fui um cara sério, eu sei, mas caíram do cavalo.

    Conflitos surgiram, como uma dissonância inesperada em uma melodia suave. Eu dançava ao som do inescrutável, do absoluto, do onipresente; eu até tomei umas ‘bolinhas’ para me sentir ‘deus’.

    Por um tempo em minha pacata vida de detetive particular joguei toda a minha sagacidade e habilidade para resolver disputas, transformei cada discordância em um acorde resoluto, guiando a narrativa para uma conclusão épica.

    No clímax da investigação, reuni todos os elementos, todas as peças do quebra-cabeça, em uma revelação magistral o mistério como um maestro conduzindo o grandioso final de uma ópera.

    Ao homem de preto e místico entreguei  a verdade, crua e clara como uma nota perfeita. Então  a figura misteriosa se dissolveu na noite, deixando-me novamente sozinho, imerso naquela  sinfonia incessante da cidade que desconhecia.

    Após algum tempo absorto em tudo o que me meti, tudo que vi e descobri, na podridão caótica da cidade, revolvendo no luar e fumando um charuto, voltei a mim. Parecia que algo havia me possuído, num estalar de dedos olhei as horas.

     Passavam das 10 da noite.

    Era sábado. Olhei meu saldo. Abismado pude notar que o misterioso homem havia realmente pagado tudo o que me prometeu. O cara é estranho mas é fiel.

    Sou rápido e inescrupuloso, não perdoo uma noite de alegria.

    Chamei um táxi e em poucos minutos estava dançando lambada com as meninas da Gestrudez. Paguei a conta; ela até suspirou e dei ainda uma gorjeta pro meu melhor amigo Herculano, ele é gay. Mas é meu amigo.

    Olhei e notei que todo o buteco estava enfeitado.

    Logo a fixa caiu e  fiquei me perguntando como fui, simplesmente abduzido todo esse tempo; trabalhar por tanto tempo assim e ao debruar acordar do devaneio sombrio.

    Era quase Ano Novo.

    A vida é uma festa. Paguei a bebida de todo mundo, afinal, não é sempre que se tem um Pix com uma grana polpuda e ouvi gritos de Afrânio é um bom companheiro e blá, blá, blá...sou foda!

    Voltei a dançar, só que desta vez tomando um uísque 12 anos com a loira mais linda que estava na festa da vida da Gertrudez, que, aliás, é uma das mais famosas da Alameda Quim-Quim-Monteiro.

    Sou sinistro, sou durão, sou simples e trágico.

    Mas sou um cara de bom coração.

    Sou Afrânio Tango, detetive particular.

     

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