
“Estava um sossego incrível instalado naquele mundo e ele baixou-se, deixou-se sobre a areia como sentado para pensar melhor e percebeu como a vida tinha suas perfeições.
O céu estrelado, o mar espiando e os pinhais adiante, as traineiras a saírem como pirilampos de flutuar. O pescador pensou que a natureza tinha uma inteligência impressionante, e que havia de saber de sua vida, havia de entender o seu desejo e havia de lhe acudir” ... fechei a página do livro do impenetrável escritor Valter Hugo Mãe.
Nesta pandemia sem nome completo, estou há meses especado pelo nada e alicerçado pelo ninguém, e, assim, pouco escrevi como queria. Atei-me um pouco a política. Sim, viver e vivenciar a política é estar no centro da sua vida e de sua sociedade, mas a política cansa, devido aos seres que a compõe.
O homem, dizia Aristóteles, é um animal político, afinal, somos todos animais. O ser-humano é um animal num mundo povoado por animais, e por pensar consegue dominar em parte o mundo, mas não a Natureza.
Essa, não, jamais!
Nada obstante, ao sentar-me para escrever esta missiva, decidi, depois de ler alguns capítulos do livro ‘O filho de mil homens’ de Hugo Mãe, que não queria falar de política, mas sim de vida.
Vida interna, externa, absoluta, incondicional, incompreensível – às vezes – inefável quanto a lógica.
Apenas vida...
E fiquei a pensar: O que é viver?
Está frio para todos. Saí à tarde para comprar uns pães e fazer uma sopa semipronta, depois disso, sentei-me para ler, e do ler surgiu o refletir.
Refletir sobre a vida, muito embora tenha saído escassamente, mas o pouco que saio vejo que nossa sociedade não mudou. Não bastaram as atrocidades desta pandemia sem sobrenome para que o ser-humano mudasse. As coisas continuam como sempre estiveram, sem dizer os preços abusivos que dispararam contra àqueles que mais estão sofrendo: os com ‘quase-nada’.
A vida tem suas perfeiçoes, sim, muitas e janotas, mas como um Schopenhaueriano, o qual escreveu sobre a imutabilidade do caráter, na medida em que declara impossível qualquer espécie de aprimoramento moral, restando apenas a possibilidade de se adaptar o comportamento considerados os limites do egoísmo natural, me vejo num labirinto em que somente o último ato poderá explicar: a morte!
Vejo ou penso ver, pois ninguém é dono da verdade, numa paralaxe de quem tenta ver o imponderável nas imperfeições e tristezas, e o ponderável na alegria e esperança.
E fiquei fitando o céu escuro e nublado por um tempo até saber que não sabia.
Se fosse um religioso convicto, diria como pregam as crenças religiosas que pode ser um ‘carma’, um desafio de reencarnação, um objetivo escolhido para alcançar a pureza de espírito, a tal vida eterna, mas, o que vejo são mazelas enigmáticas.
A vida com sua perfeição, resvala na imperfeição tão grande que me assusta. Já vivi muito, caí demais, me levantei com duros e dolorosos machucados. Sou triste, não por convicção, mas por desatino e desesperança.
Neste amontado de palavras, submeto-me a auscultar o ‘coração’ que teima ainda em pulsar e pensar, se um dia seremos mais ‘humanos, e menos demasiadamente inumanos’.
A esperança é muda e pode ser um pouco secreta!
Chatô é escritor