O telefone tocou na mesa do investigador Tonhão. Suas olheiras eram a demonstração de que, apesar de todos os esforços, nada, nem ninguém tinha sido localizado.
Entretanto, na primeira noite, a noite que ele recebeu a ‘carta’ foi à crepúsculo mais longo e marcante de sua vida. Pensara que tinha visto de tudo na vida. Contudo, naquela noite em que ele estava a postos para tudo o que viesse, num estalar a vida lhe deu um rapapé. Às vezes, o passado nos condena, sem termos culpa de nada. Guardara aquilo tudo somente para si. Aquela visão deveria ir para o caixão com ele.
Às noites, agora, insones, eram regadas a remédios ansiolíticos e o altivo homem pardo de quase dois metros estava reduzido a quase nada. Embora no setor, seus próprios colegas não tenham notado nada diferente, apenas uma pessoa sabia que algo de errado estava ocorrendo com o investigador.
Ela o fitou por alguns segundos e se deteve nas ações do colega de trabalho. Levantou-se e se acomodou num banco ao lado da mesa de Tonhão. O investigador a olhou de baixo para cima e não teve coragem de encará-la.
Ela sabia por quê.
O telefone continuou tocando.
“Não vai atender?”
O aparelho soou até parar.
“Desistiu?”
Mesmo assim, Tonhão não a olhava de frente. Mexia e remexia papéis inúteis em sua mesa.
“Hoje faz exatamente um mês que você recebeu aquele envelope. Saiu e quando voltou não era mais aquele homem e policial que tanto eu me espelhava quando aqui cheguei.”
A investigadora também era de uma nova safra de policiais, e notou no velho investigador muita dedicação e trabalho árduo, coisas que poucos ali, realmente faziam com afinco.
“Notei você desde o meu primeiro dia”.
Aspo alguns segundos de insegurança, enfim, ele a olhou. Sem firmeza nos olhos, mas a fitou e notou os lábios grossos, cabelos escuros encaracolados e olhos profundamente negros. Ela era como ele. Um par de negros num mundo em que os brancos se achavam melhores, mas não eram. Ao firmar a memória na chegada e apresentação dos novos policiais, relembrou que a tinha visto, mas não tinha sequer apertado a mão da novata, ou até mesmo dito um ‘seja bem-vinda’. Foi aí que a ficha caiu. Ele também se achava acima dos novatos.
“Débora. Muito prazer.”
Quando Tonhão foi dizer algo, mas ela o interrompeu.
“Não precisa dizer nada. Sei seu nome e até onde mora.”
Isso o deixou consternado, afinal, uma novata havia o seguido e ele sequer havia notado. Estava ficando velho para tudo isso. Sentiu vontade de sair da mesa, no entanto a mão firme feminina o segurou.
“Vamos tomar um café ali defronte a delegacia, que tal?”
Há tempos Tonhão não sorria. E um sorriso enorme brotou de sua face.
Quando estavam saindo, ela o pegou pela mão e abriu a porta de um carro.
“Não vamos ter uma conversa justamente perto de pessoas que estão nos olhando desde que estivemos em sua mesa. Você é um cara especial, mas está escrito em seus olhos que precisa de ajuda”.
Duas horas depois, ao retornarem à delegacia, só havia alguns escrivães. O local estava semideserto.
“O que houve?” – perguntou ao velho Moisés que há mais de quatro décadas estava naquele local.
O velho escrivão, lentamente tirou o par de óculos de leitura, olhou, e vagarosamente disse-lhes que haviam encontrado um corpo perto de um ponto de prostituição.
Lembrou-se de seu aparelho de celular. Havia esquecido em cima da mesa. Débora estava do seu lado, já rapidamente fazendo contato com a perícia.
Tonhão olhou o celular e tocou no touch. Então uma foto apareceu. Boquiaberto ele não pôde acreditar naquilo. Uma foto dele e de Débora no Café´s Club, na Avenida Paulista e uma mensagem abaixo.
Você não atendeu meu telefonema investigador. Que pena. Perdeu uma ótima chance de ver meu mais novo trabalho.
O telefone voltou a tocar. Desta vez ele atendeu e reconheceu a voz que uma noite ouvira ronronar.
Primeiro uma gargalhada, depois, do outro lado ouviu: “Se não mostrar as fotos daquela noite para o delegado, eu mesmo farei isso, e pode crer que não vai ficar nada bem para você”.
Ele mostrou a mensagem a Débora.
“Onde estão as fotos?”
“Em casa, num cofre. O que faço?”
Do outro lado o ‘alguém misterioso' continuava a rir escandalosamente.