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    Palanque do Zé #157 - Quando um avião inglês invadiu o espaço aéreo brasileiro na Guerra das Malvina

    1108 Jornal A Bigorna 08/08/2021 22:40:00

    A Guerra das Malvinas - ou Falklands - para os ingleses, foi um conflito ocorrido entre a Argentina e o Reino Unido do dia 2 de abril ao 14 de junho de 1982.

    Os Argentinos reclamavam a soberania de alguns territórios – incluindo o que chamavam de Ilhas Malvinas. O problema é que eles já pertenciam ao Reino Unido desde 1833.

    Não vou me alongar muito no assunto, porque não é esse o objetivo dessa coluna, mas apenas a título de melhor compreensão, é importante dizer que os ingleses recuperaram o seu território e, na Argentina, a derrota na guerra contribuiu para a queda da Junta Militar que governava o país, dando fim ao golpe de Estado ocorrido em 1976, com a consequente restauração da democracia como forma de governo.

    Mas, escrevo essas linhas, para contar um fato curioso ocorrido no Brasil, por ocasião do citado conflito.

    Em junho de 1982 a guerra das Malvinas estava quase no fim, mas ainda a pleno vapor, então os ingleses ainda precisavam manter longas missões de bombardeio partindo da ilha Ascensão, que fica no meio do oceano entre o Brasil e a costa da Africa.

    Para piorar, eles usavam os já veteranos bombardeiros Vulcan, que foram concebidos para carregar armamento atômico, e que contavam com baixa autonomia, o que não era adequado para a defesa de um império tão vasto como o Britânico, “onde o sol jamais se põe”, como disse Churchill certa feita.

    Assim, em cada missão realizada pelos caças Vulcan, os britânicos precisavam elaborar uma complexa logística de abastecimento em voo que era um verdadeiro pesadelo, porque qualquer mínimo erro causaria pane seca.

    Foi assim que, no dia 3 de junho de 1982, os radares brasileiros registraram a invasão do nosso espaço aéreo.

    Poderia ser um problema técnico, um engano ou um ataque, e por isso uma resposta rápida se fazia necessária. E ela foi designada ao então Capitão Raul Dias, hoje Major-Brigadeiro da reserva, que lembra:

    “Eu e um colega íamos decolar para outra missão naquele dia. Só que pelos radares da defesa aérea foram identificados quatro aviões vindos do mar para o Rio de Janeiro e que, pela velocidade, sabia-se que era uma aeronave a jato. Não se sabia, porém, qual era o tipo de avião, pois, no momento do problema, as normas britânicas diziam para silenciar o rádio e aproarem, no caso, no Rio de Janeiro. Só mais tarde, eles iriam solicitar um pouso de emergência ou algo do gênero. Os aviões britânicos estavam a mais de 100 milhas da costa brasileira. Ou seja, eles foram identificados no limite máximo da detecção do radar da época, entre 150 e 200 milhas. Em seguida, três deles saíram. A partir do momento que foi acionado o alerta, soou uma sirene. E o controle de coordenação, por meio do rádio, acionou o código para a situação: “Rojão de Fogo”, que indicava uma missão real. Foi a primeira e última vez que ouvi o código e ali eu sabia que estava engajado em uma missão de verdade e que estava decolando para entrar em combate. Os caças tiveram os canhões carregados, porque a gente já voava com a capacidade máxima de cartuchos, só não estávamos com a bala na agulha nos canhões de 20mm. Então, decolamos para fazer a interceptação sem saber de quem se tratava.”

    A situação era tão excepcional, que aquela foi a primeira e única vez desde a Segunda Guerra Mundial, que o 1º Grupo de Caça precisou ser acionado.

    “Decolamos e tem um detalhe: a torre de Santa Cruz nos passou direto para a defesa aérea. Recebemos a instrução para chegar a uma altitude de 36 mil pés e nos deram a subida com pós-combustão, um movimento de rápida aceleração — houve até a quebra da barreira do som próximo ao Rio, o que foi muito comentado na cidade. Era, evidentemente, uma consequência da missão, e não uma firula. Embora nós não estivéssemos com mísseis, tínhamos 560 cartuchos de dois canhões 20 mm em cada F-5. Mas, claro, não foi um duelo entre caças. Mas nós decolamos sem saber com o que iríamos deparar. Quando avistei o Vulcan, eu disse: ‘espadas dois cobertura’ e assumi posição de combate. O Vulcan era um avião majestoso. Eu tentei, então, fazer a comunicação e ele, em um primeiro momento, manteve o rádio em silêncio. Quando ele respondeu, eu o orientei — porque eu estava recebendo orientações da defesa aérea — e ligado no canal internacional de emergência, pelo qual passei as coordenadas para o bombardeiro. Depois, nós o escoltamos até o Galeão”, conta.

    Na verdade, não se tratava de uma invasão hostil ao nosso espaço aéreo. Ocorre que o Vulcan estava com um problema no sistema de reabastecimento aéreo, o que o condenou a pousar no Brasil, pois eles não conseguiriam chegar a nenhum outro lugar.

    “O piloto do Vulcan passou por uma situação limite, até porque não tinham ideia de que seriam interceptados tão cedo. Achavam que pousariam no Rio sem que fossem interceptados. Subestimaram nossa capacidade. Eles devem ter pensado: ‘será que vão nos derrubar?’. Nós éramos latinos, vizinhos da Argentina, será que, nesse contexto, não seria possível um ataque? Até nós falarmos que iríamos escoltá-los, acompanhar o pouso, deve ter sido uma angústia para eles. Quando o dispositivo de reabastecimento em voo quebrou, eles já sabiam que teriam de pousar no Brasil”, diz.

    No final, tudo acabou bem e o Vulcan foi escoltado até o aeroporto do Galeão, desarmado e reabastecido, para que pudesse retornar para a sua base. Os armamentos também foram devolvidos posteriormente, e seguiram de navio.

    Este evento incomum e pouco conhecido de nossa história mostrou o profissionalismo e capacidade da nossa imprescindível Força Aérea Brasileira.

     

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