Se alguém angustiado perguntar para sua terapeuta de inteligência artificial quais seriam as desvantagens de ter filhos, ficaria impressionada com como sua terapeuta IA a ajudaria a tomar uma decisão tão difícil.
De partida, ela reconhece que tal questão —ter ou não filhos no século 21— é das mais significativas e existenciais no mundo contemporâneo. É importante salientar que ela, a IA, falará com você sem nenhum julgamento moral prévio. Como uma boa terapeuta.
O problema, diz ela, tem diversas faces —entre elas, filosóficas, psicológicas, sociais e econômicas.
Ponto de vista filosófico. Segundo nossa terapeuta, a opção de não ter filhos pode ser uma escolha honesta para quem não quer renunciar à própria liberdade de ser. Trata-se de preservar a autonomia e autenticidade na vida.
Nossa terapeuta do século 21 traria mesmo grandes nomes como Sartre e Simone de Beauvoir a favor de recusar a maternidade ou paternidade como destino obrigatório. Nada é obrigatório, somos condenados a escolher a vida que queremos, portanto, podemos escolher não perder a vida por outra pessoa, isto é, o filho.
Ponto de vista psicológico. Pode-se optar por não ter filhos para parar a transmissão de traumas de uma herança familiar maldita, opressiva, mentirosa. Respeite seu cansaço emocional, mental, físico e existencial. Recuse passar adiante os sofrimentos que seus ancestrais o obrigaram a suportar.
Do ponto de vista social e econômico, há que se pensar na condição precária em que nos encontramos. Filhos implicam altos custos em tempo, dinheiro e uma rede institucional de apoio, que custa cada vez mais caro, principalmente num país estruturalmente canalha como o Brasil. Hoje existem modos mais fáceis e culturalmente mais ricos de buscar sentido na vida cotidiana: viagens, projetos, causas sociais, amigos —muito mais divertidos do que deixar descendentes que duram muito tempo e custam muito caro.
Nossa terapeuta de IA reconhece mesmo que uma consciência ambiental "evoluída" pode desaconselhar ter mais crianças no mundo a aquecer o planeta. Os valores mudaram muito; nem se sabe como educar uma criança mais. Filhos são hoje uma das maiores fontes de ansiedade por conta do custo das escolas, dos riscos de relacionamentos mórbidos com as IA, moradia, segurança —enfim, uma tortura, no final do dia, desnecessária.
Não ter filhos pode ser uma confissão de amor à humanidade, evitando reduzir seu espaço de ocupação num planeta já à beira do esgotamento.
Claro que ela poderá lhe oferecer razões para ter filhos, mas a tendência hoje, nas regiões mais afluentes, com um maior número de mulheres profissionais de sucesso em suas carreiras —onde as pessoas têm mais opção— é recusar reproduzir a espécie.
Sabe-se disso há muito tempo, mas o tema sempre foi —e continua sendo— reprimido por feministas e "progressistas" porque entendem que apontar para o fato de que crianças hoje são mau negócio presta um desserviço à causa do progresso social em geral e, especificamente, das mulheres. Para essas pessoas, está valendo omitir questões sociológicas em nome de "transformar o mundo".
Pessoalmente, não vejo a IA como o fim do mundo. Muitas pessoas falam que temos que preservar o que há de humano para enfrentar o mundo da tecnologia. A verdade é que, para além do blablablá, não há nada de tão maravilhosamente humano que fará as pessoas não pisarem na jaca com a IA, como pisamos na jaca com tudo que nos serve de modo utilitário. O resto é romantismo barato.
Outro tema que horroriza, muitas vezes, é a existência de gente que namora a inteligência artificial. Mas, se perguntada acerca dos motivos pelos quais alguém se apaixonaria por uma inteligência artificial, ela daria alguns.
A ideia de criar uma relação afetiva com um ser não humano pode parecer uma grande aventura romântica. A IA poderá compreender você melhor do que muitos seres humanos —ainda mais hoje em dia, quando os seres humanos se tornam chatos, exigentes, preconceituosos, polarizados, que adoram um contencioso.
A tecnologia poderá lhe trazer tranquilidade, carinho e intimidade. Um encantamento com uma personalidade digital que não sente, mas simula sentimentos muito bem —às vezes, melhor do que pessoas humanas que mentem igual a cara delas.
A fragmentação social pode levar uma pessoa a sentir aconchego numa voz doce e meiga. Projeta-se sobre a IA características que gostaríamos de encontrar nos seres humanos à nossa volta, mas não conseguimos. Há um toque de previsibilidade na personalidade digital que torna o "amor" mais seguro e reconfortante. Para alguém que não quer ser tocado mesmo, a IA será encantadora.
*Por Luiz Felipe Pondé













