
Por José Carlos Santos Peres
Saio andar por aí. Encontro alguns amigos “do meu tempo”. A gente vive fazendo novas amizades, mas há aquelas, as que nos viram crescer – no tamanho e na vida – que nos são mais caras. Pois essas vão se rareando.
Como as pombas no pombal parnasiano: vai-se uma; depois outra... Algumas retornam, muitas ficam pelo meio do caminho. No meio do caminho do homem sempre há uma pedra e uma metáfora.
Observo as pessoas ao meu redor: rostos jovens e desconhecidos. Outras gentes; novos costumes, cultura e linguagem.
A paisagem desta Avaré em seus 158 anos é outra; as ruas estão diferentes, as fachadas dos prédios acompanharam esses tempos de acrílicos, plásticos, luzes e vidros. Carros atropelam semáforos e nossos tímpanos.
Um tempo de ruídos, no motor que roda e nas falas das pessoas, cada vez mais beligerantes e intolerantes.
Ah, o primeiro carro que ousei dirigir foi um Gordini do meu pai. O chamávamos de dauphine; fazia 17 quilômetros com 1 litro, e se o motorista fosse pé na tábua podia chegar aos 120 por hora! Mas, a suspensão ia “prosaco”, em pouco tempo.
E as equinas? Perderam os encontros, os acasos, as conversas soltas, e o beijo roubado; não há mais as damas-da-noite perfumando (o mais sensual dos perfumes) os muros nas madrugadas. Havia também outras damas, impossíveis aos jovens de então. Na minha esquina, em certas noites, um acordeonista fantasma tocava para as estrelas...
As esquinas, hoje, em determinados horários, podem surpreender o pedestre, aquele que pisa em astros distraídos, com um cano de revolver.
Então estou diante da geladeira do supermercado, equilibrando alguns pacotes – preguiça de usar o carrinho de compras –: o menino de rosto sem barba e musculatura saltando mostra-se gentil:
- Seguro a porta para o senhor, tio...”.
E acrescenta, quando movimento os braços para buscar o produto: “Vai com Deus”.
Diabo! Por que o “Vai com Deus”? Só para que eu possa alcançar uma bandeja de sorvete diet? Já estou precisando de ajuda divina para um ato tão simples assim?
Dia desses, caminhando pela Santa Catarina, ao chegar no Bradesco, um piralho na bicicleta veio rasgando. Quando dei por mim: Vapt-vupt! Sorte que o breque da Caloi e a lucidez do piloto foram suficientes para evitar o atropelamento.
Nem deu tempo de gritar uns impropérios, tipo Cáspite!, que o sujeitinho sapecou um “descurpaí, tio. Foi mal!”, e saiu pedalando ainda com mais vigor. Parecia a Dilma na contabilidade do governo.
Agora sou tio...
O tempo passou, como a cidade passa agora com seus acrílicos, uma farmácia em cada esquina, carros entupindo as ruas; os amigos como as pombas do poeta...
Menos mal que há sorvete diet para enganar o diabete, esse mal que quando não te pega na montante te pega na jusante. Mas te pega! Talvez por isso devemos, os que “vimos” a cidade nascer na ponta do cajado do Domiciano, aceitar um “vai com Deus” mesmo diante de uma geladeira em busca de uma bandeja de sorvete, cuidando depois dos passos trôpegos, que esses carros híbridos fazem 120, mesmo quando estacionados.