• Forças Armadas veem condenações no STF como página virada, mas projetam novos desgastes com prisões e julgamento no STM

    81 Jornal A Bigorna 13/09/2025 19:20:00

    Com a condenação inédita de militares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe, a cúpula das Forças Armadas tem adotado o discurso de página virada do episódio que afetou a imagem da instituição, mas já prevê novos desgastes a partir dos próximos passos do processo. Após superada a fase de recursos na Corte, há a possibilidade de os oficiais cumprirem suas penas em salas de Estado-Maior em quartéis do Exército e, no caso do almirante Almir Garnier Santos, da Marinha. Além disso, o Superior Tribunal Militar (STM) deverá julgar pedidos para que eles sejam expulsos.

    Além de Garnier, o STF condenou três generais — os ex-ministros Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto —, um capitão do Exército — o ex-presidente Jair Bolsonaro — e um tenente-coronel, Mauro Cid. Neste último caso, porém, a pena imposta, de 2 anos, prevê regime aberto. O ex-ajudante de ordens da Presidência foi beneficiado por firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF).

    A situação que mais preocupa, contudo, é a de Bolsonaro. O comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, chegou a ser consultado antes da condenação sobre a possibilidade de o ex-presidente cumprir sua pena em uma sala de Estado-Maior e manifestou contrariedade, segundo interlocutores. Há uma avaliação na Força que o manter em uma unidade militar poderia acirrar os ânimos internamente e seria como “levar a política para dentro do quartel de forma literal”, nas palavras de uma pessoa próxima.

    Além disso, integrantes do governo avaliam que a medida poderia acarretar um novo acampamento bolsonarista nas proximidades, a exemplo do que ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva quando ficou preso em Curitiba. Na época, apoiadores do petista ficaram por meses em uma área próxima à Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense, onde montaram uma vigília em defesa da liberdade do hoje presidente. O comandante do Exército já disse a interlocutores que ele não permitiria acampamentos do tipo em hipótese alguma.

    O artigo 73 do Estatuto dos Militares, de 1980, prevê que, em caso de condenação de militares, o cumprimento da pena ocorra “somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso”. No caso de Bolsonaro, isso não seria um problema, pois ele é capitão, mas Heleno, Paulo Sérgio e Braga Netto estão no topo da carreira e só poderiam ser abrigados em unidades onde tenham outros generais de quatro estrelas à frente.

    Moraes decidirá destino

    Como mostrou o GLOBO, o Exército dispõe de 20 alojamentos de Estado-Maior em Brasília. Os cômodos são suítes com cama, armário, mesa, televisão e frigobar. A maioria desses alojamentos fica no Setor Militar Urbano, área central da capital federal, onde funciona também o Comando do Exército.

    A decisão sobre o local de cumprimento da pena, porém, será definido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, após o chamado trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos.

    Mas os oficiais poderão ficar pouco tempo nessas unidades militares. Após o fim do processo no STF, caberá à Justiça Militar decidir se poderão manter seus postos e patentes ou se deverão ser expulsos da Força, o que é considerado pelo meio militar um cenário ainda pior do que a privação de liberdade.

    Neste caso, o Ministério Público Militar oferece a denúncia de “indignidade” do oficial para permanecer na Força, que será julgada pelo plenário do STM, formado por 15 ministros. Será a primeira vez que o tribunal analisará casos de generais quatro estrelas.

    Vice-presidente do STM, Francisco Joseli Parente Camelo, ressalta que os oficiais foram julgados por crimes que não são relacionados às instituições.

    — O ministro Alexandre de Moraes conduziu de forma correta. Às Forças cabe cumprir a sua missão constitucional — afirma ele. — Em outros momentos da História, tivemos anistia. Agora, o STF fez o que tinha que fazer. É a Corte quem dá a última palavra — completou Camelo.

    A principal orientação da cúpula militar sobre o julgamento é que se trata de um assunto da Justiça e do STF, e cabe à Corte se manifestar sobre o tema. Por determinação do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o comando das Forças manteve-se em silêncio após o término do julgamento.

    Considerado a principal autoridade no estudo da ditadura militar no país, o historiador da UFRJ Carlos Fico afirma que o julgamento do STF é um alerta para as Forças Armadas de que algo mudou.

    — É a primeira vez que está havendo julgamento. É mais importante a condenação desses oficiais-generais do que a do ex-presidente Jair Bolsonaro. Porque isso nunca aconteceu antes. O problema da democracia brasileira é essa fragilidade institucional marcada pelo intervencionismo militar, que vem desde a Proclamação da República e nunca se resolveu.

    Justiça mais forte

    A cientista política da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek destaca o fato de não ter havido pressão das Forças Armadas contra o julgamento e de que a análise da ação demonstrou que o Brasil tem um sistema de Justiça mais forte do que parecia:

    — A instituição Forças Armadas é uma coisa, esses militares que foram julgados são outra. Isso foi dito duas vezes. O Supremo não se manifestou contra as Forças Armadas, mas contra indivíduos que têm como qualificação profissional serem militares. Fica claro que qualquer tipo de comportamento desviante, de civil ou militar, terá uma resposta legal— afirma.

    Passo a passo da perda de patente

    Representação: Após o chamado “trânsito em julgado” da ação no Supremo, quando não há mais possibilidade de recursos, o Ministério Público Militar (MPM) apresenta uma representação contra os oficiais por “indignidade”. Não há prazo para que isso seja feito.

    Análise do STM: A denúncia do MPM é analisada pelo plenário do Superior Tribunal Militar (STM), formado por 15 ministros militares e não militares. O colegiado decidirá se o militar será ou não expulso da Força. Não há prazo para que esse processo inicie no STM.

    Perda de posto e patente: Caso entenda haver elementos, o STM decreta a perda do posto e da patente pelo militar ao fim do processo. A Corte julga comumente esse tipo de caso, porém, é a primeira vez que terá que se debruçar sobre ações envolvendo generais de quatro estrelas.

    ‘Morte ficta’: Ao perder a patente, o militar fica sem receber soldo. Pelas regras, esta remuneração é transferida para a mulher ou filhos do militar punido, a chamada “morte ficta” (ou fictícia). Em decisão no mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) orientou o fim desse benefício nas Forças.(Do Globo)

    OUTRAS NOTÍCIAS

    veja também