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    Palanque do Zé #209 – Elegias

    1057 Jornal A Bigorna 15/08/2022 08:40:00

    A última semana foi bem triste para mim.

    No dia 5 de agosto faleceu José Eugênio Soares, o popular Jô Soares, pessoa dotada de uma inteligência superior e talento singular. Seu “Jô Soares Onze e Meia” e “Programa do Jô” foram essenciais para a formação daquilo em que me transformei. Assistir seus programas, especialmente após voltar da faculdade, certamente moldou o meu modo de pensar e agir.

    Já no dia seguinte, 6, soube do falecimento do senhor Carlos Conforti, pessoa por quem sempre nutri carinho e consideração. Ele foi o meu primeiro técnico de informática, ainda nos idos de 2007 e era a prova viva de que os idosos podem sim, compreender e dominar o mundo da tecnologia tão bem quanto os jovens.

    Sr. Carlos, que era a maneira como eu o chamava, foi um dos primeiros patrocinadores do meu extinto jornal, A Verdade Dos Fatos. Minha eterna gratidão por isso.

    Tais passagens tristes me fizeram lembrar das Elegias, as quais surgiram na Grécia antiga, com Calino de Éfeso ainda no século VII antes de Cristo, Tirteu e Mimnermo. Seus poemas eram, basicamente, cantos guerreiros que incitavam os soldados a lutarem.

    Entretanto, foi Calímaco, um importante poeta alexandrino do século III antes de Cristo, um dos primeiros a escrever elegias no sentido moderno do termo, ou seja, como poemas líricos e tristes.

    Pode-se dizer então que, atualmente, elegias são lamentações em razão do falecimento de um ente querido.

    Inclusive, um dos vídeos mais compartilhados por ocasião da morte de Jô, foi justamente um em que ele – homenageando a passagem de seu filho – recitou o seguinte poema, de autoria de Mary Elizabeth Frye, uma poetisa americana:

     

    “Não chore à beira do meu túmulo, eu não estou lá.

    Estou no soprar dos ventos, nas tempestades de verão e nos chuviscos suaves da primavera.

    Não chore à beira do meu túmulo, eu não estou lá.

    Estou no brilho das estrelas e no cantar alegre dos pássaros.

    Não chore à beira do meu túmulo, eu não estou lá, eu não morri.”

    E, como uma coisa puxa a outra, me lembrei também que o amigo Marcos Guazzelli Neto, fundador da Colônia Espírita Fraternidade, entidade que atende diversas crianças em situação de vulnerabilidade social em nossa cidade, também se valeu de uma elegia para homenagear a partida de sua mãe. Quando ele mesmo nos deixou, viralizou o vídeo em que ele rezava “A Morte Não É Nada”, de Santo Agostinho:

    “A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

    Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.

    Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.

    Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

    Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.

    Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim.

    Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.

    A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado.

    Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?

    Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho…

    Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.”

    Ambos os exemplos de elegia são excelentes linguisticamente falando e de uma delicadeza que poucas vezes se viu na já vasta história da compreensão humana no que diz respeito a dor pela partida de um ente querido.

    Entretanto, acredito que a mais bela elegia foi a criada por Ernest Hemingway, escritor americano que foi agraciado com o Prêmio Pulitzer de Ficção em 1953 e com o Nobel de Literatura de 1954:

    “Mais que tudo ele amava o outono.

    As folhas amarelas nos campos de algodão.

    Folhas boiando nos arroio de trutas.

    E sobre as colinas, os céus altos, azuis, sem vento.

    Agora ele será parte deles para sempre.”

    Quando digo que a leitura, mais do que ensinar, entreter e nos fazer pensar, é um remédio para as nossas almas feridas pelas batalhas e decepções mundanas, é exatamente disso que estou falando.

     

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