Todo estudante de jornalismo deveria assistir as entrevistas que Bolsonaro e Lula concederam ao Jornal Nacional da TV Globo na última semana.
Aquele que já foi considerado o mais importante telejornal do Brasil pretendia ouvir, como faz a cada quatro anos, os principais postulantes ao Palácio do Planalto, mas acabou mesmo é dando uma aula de como não se fazer jornalismo.
Perceba, caro leitor, que o objetivo desse texto não é analisar o que cada um dos candidatos disse e muito menos fazer qualquer tipo de juízo de valor sobre o que pensam. Nosso objetivo é apontar como a TV Globo, da maneira mais escancarada possível, prejudicou um candidato em detrimento de outro.
Com Bolsonaro, o roteiro das perguntas foi agressivo e os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos se dirigiram ao entrevistado de maneira arrogante e sarcástica, tanto que as caras e bocas dos dois em questão de minutos se transformaram em memes e figurinhas do WhatsApp.
Primeiro que, toda e qualquer pessoa merece ser tratada com respeito e dignidade. Segundo que, gostem Bonner e Renata ou não, ali eles estavam diante do Presidente da República.
Ressalto: Não se trata de apoiar ou não Bolsonaro. Qualquer pessoa com o mínimo de noção e educação de berço sabe que as atitudes de ambos os apresentadores foram, no mínimo, impróprias para o momento.
Era notório que o clima não era tão bom quanto poderia ser, mas contra todas as apostas – inclusive de apoiadores - o Presidente se manteve calmo e, mesmo nos momentos em que confrontou Bonner e Renata, não perdeu a compostura.
O estranho foi que ao longo da semana, com os demais candidatos, Bonner e Renata estavam educados, sem qualquer traço de sorriso sarcástico e respeitando os entrevistados. Essa métrica valeu para Simone Tebet, Ciro Gomes e, em especial, para Lula.
Aliás, com Lula, a conversa nitidamente foi diferente. Por ele, Bonner até mentiu ao dizer que “o senhor não deve nada à Justiça”
Oras! A verdade é que entre 2017 e 2019, o ex-presidente foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva em três instâncias e julgado por nove juízes, que tiveram seus trabalhos invalidados no ano de 2021 por Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de erros procedimentais para lá de questionáveis.
Ou seja: O petista não foi absolvido pela Justiça brasileira, mas apenas ganhou o direito de fazer com que tudo retrocedesse para que pudesse ter direito a um “julgamento imparcial”.
Além de os apresentadores terem deixado o convidado falar - como deve ser - Bonner até sugeriu o caminho para a resposta de Lula: “o senhor teria uma medida nova” para evitar novos casos de corrupção?
Bolsonaro foi interrompido por diversas vezes, mas Lula conseguiu falar o que quis, pois quando foi perguntado sobre economia, respondeu sobre o porquê quer voltar ao poder e sobre como seu Vice, Geraldo Alckmin é ótimo...
Mas chega de achismos. Essa coluna tem por objetivo jogar um pouco de luz na escuridão intensa que habita o jornalismo brasileiro praticado pelos grandes órgãos de imprensa, então vamos objetivamente aos fatos: Lula falou por 30 minutos e 16 segundos durante a entrevista. Bolsonaro, por sua vez, conseguiu falar por 24 minutos e 37 segundos da sabatina, de acordo com o site Poder 360. Pode não parecer muito no nosso dia a dia, mas na televisão, com certeza é.
A diferença no tratamento entre os candidatos pode ter se originado em razão de dinheiro, mas isso não passa de uma elucubração. Mas o fato é que entre os anos de 2003 a 2019, nas gestões de Lula, Dilma e Temer, a Globo recebia, em média, R$ 450 milhões por ano para veicular propaganda estatal, num total de R$ 7,2 bilhões. Mas a fonte secou.
Até o ano passado, com Bolsonaro, a Globo deixou de receber algo entre R$ 600 milhões e R$ 750 milhões em verbas publicitárias, segundo levantamento do portal Terra.
A gritante diferença no tratamento entre Lula e Bolsonaro, entretanto, não causou a repercussão esperada no ibope do programa, pois, a participação de Lula rendeu 31,4 pontos de média, enquanto a de Bolsonaro garantiu a média de 32,7 pontos.