• testando

    Tango e o Noel

    Conto

    2295 Jornal A Bigorna 30/12/2019 21:50:00

    Era madrugada.

    O calor exarava um cheiro fétido de esgoto. Traiçoeiro como o borra-botas que estivera ali horas atrás.

    Maldito.

    Clotilde estava morta. Cheguei antes da polícia, assim que Herculano me ligou. Aquilo não ficaria impune. Não, meus amigos de afeto não são assassinados sem punição.

    Pobre Clotilde. Era biscate, mas era minha amiga. Mais que amiga, era companheira de birita em todas as noites. Adorava uma pinga com limão.

    Vasculhei como Sherlock Holmes fazia; deduzi tudo. A coitada estava caída com um tiro na têmpora. Jogada aos pés da cama como se tivesse cometido suicídio.

    Wallace estava comigo. Dava-me cobertura caso os tiras chegassem antes. De ponta a ponta fui tirando fotos com meu poderoso XZZ-W50, um celular coreano que ganhei num bingo na Gertrudes.

    Não demorou muito e Herculano apareceu. Ele é meu melhor amigo. 1,99 de altura e braços que nem o Rambo sonhou em ter. Herculano é viado é forte e é meu amigo.

    Fiz todas as anotações, e pouco tempo depois saímos sorrateiramente na Belina 82 do Wallace e fomos direto pra Gertrudes.

    Esqueci de contar a vocês.

    Era madrugada de sexta-feira e o forró estava bombando.

    No caminho, chorei.

    Sou emotivo.

    Todo homem chora.

    Chegamos no Bar da Gertrudes, nosso reduto. Tomei um ‘engasga gato’ logo no primeiro tapa.

    Olhei o ambiente. Todos os amigos estavam ali.

    Adoro meus amigos.

    Herculano estava desmotivado, apático, triste. Seu olhar estava perdido. Vi que a morte da Crô tinha o afetado profundamente, afinal eram quase irmãos. Senti vontade de chorar de novo, mas fui firme e engoli o choro, como mamãe fazia comigo quando estava brava.

    Sou Tango, Afrânio Tango, detetive particular, e, em público, não choro.

    A madrugada embora tensa foi convidativa a tomar algumas mais e mais. Quando olhei o relógio passavam das 5 da manhã e o pessoal não arredava o pé.

    O Hermineu era um sujeito pacato e o melhor dançarino do local. Com seus 80 aninhos, o velhinho sapateava a noite toda.

    A noite não poderia terminar melhor, quando olhei a porta apareceu minha princesa, a minha bela. Era a Seleida, a anã mais linda do mundo. Só o nome não ajudava, mas ela era fenomenalmente bela. Na verdade, seu nome completo era Seleida Barrigudinha e todas a chamam de Sesê. Não interessa, ela é uma gata. Eu a amo, ela não me ama.

    Sou incompreendido.

    Voltei para casa de busão e dormi o dia todo. Teria que descansar. A noite seria longa.

    Era véspera de Natal.

    Tomei uma ducha fria. Haviam cortado a energia. Mamãe estava num Cruzeiro, deixou o dinheiro pra eu pagar a conta, mas perdi tudo na ‘maquininha de jogo’.

    As ruas estavam vazias. Herculano havia sumido. Peguei um Uber e fui até a casa da Clotilde. Tinha que investigar mais. Seu corpo estava sendo velado e seria enterrada logo pela manhã. Antes de dar meu último beijo em minha amiga tinha que voltar a cena do crime.

    Jurei que acharia a qualquer custo o criminoso. Sou um homem de palavra. Ia contar uma coisa pra vocês, mas não vou.

    Olhei o relógio na parede. Meia noite em ponto. Fui até o quarto e fiquei observando a sujeira toda. Porcos, ninguém teve coragem de, ao menos limpar o local onde minha pobre amiga foi assassinada.

    De repente, ouvi barulho na porta da sala. Saquei a catarina – minha leal calibre 32 cano curto. Escondi-me atrás da porta da cozinha.

    Bingo!

    O assassino sempre volta a cena do crime.

    Olhei de soslaio.

    Um homem gordo vestido de vermelho entrava na ponta dos pés.

    Não pensei duas vezes.

    Dois tiros no peito.

    O homem tombou.

    Caminhei em sua direção e com olhar de fúria arranquei aquela barba branca postiça.

    Droga.

    Por um segundo pensei que tinha acabado com o assassino, mas não.

    Era o Papai Noel.

    Minha Nossa Senhora dos Socorros Urgentes. O pobre velhinho que sempre deixava presentes nas minhas meias e olha que nem tínhamos chaminé.

    Por um instante fiquei desacorçoado. A vida é cruel até com o pobre Noel.

    Chorei de novo. Depois, fechei a porta e saí pé por pé.

    Pessoas ficariam sem presentes. Era melhor eu ir passar o Natal na Gertrudes.

    Sou um homem nobre, e logo pela manhã ligaria para a Polícia denunciando um assassinato, mas, hoje, não, afinal é Natal.

    Tango, Afrânio Tango, detetive particular.

     

    IMAGENS ANEXADAS

    Tango e o Noel
    OUTRAS NOTÍCIAS

    veja também