• Tarcísio e o pós-Bolsonaro

    587 Jornal A Bigorna 08/09/2025 13:00:00

    No mesmo dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro começou a ser julgado sob acusação de tramar contra a democracia, a cúpula da federação que reúne o União Brasil e o PP, a mais poderosa da Câmara, informou que havia desembarcado do governo de Lula da Silva. Não dá para imaginar que a sincronia tenha sido casual, a julgar pelos personagens envolvidos – como se sabe, não há amadores entre os caciques do União Brasil e do PP. A anunciada saída da base governista, na prática, significa o início da campanha eleitoral desse grupo político, cujo candidato dos sonhos para a Presidência da República é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

    Único novato entre os veteranos operadores desse arranjo, Tarcísio cumpriu bem o papel que lhe foi atribuído, expondo-se ao desgaste de ser o articulador de uma anistia para Bolsonaro. Com isso, procurou reafirmar sua fidelidade ao padrinho e, assim, reduzir as resistências que a família do ex-presidente tem em relação à sua eventual candidatura.

    Tudo não passa de encenação, claro. Os roteiristas desse vaudeville certamente sabem que uma anistia a Bolsonaro será considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – que por muito menos derrubou o indulto concedido em 2022 pelo então presidente Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, condenado por ameaça ao Estado Democrático de Direito. Mas o que importa, para efeito cênico, é que Tarcísio e seus novos padrinhos aparentem estar empenhados em salvar a pele de Bolsonaro, angariando, assim, apoio do ex-presidente. Em outras palavras, estamos em pleno processo de transição para o pós-Bolsonaro, porque o cálculo é muito simples: a perspectiva de poder de Bolsonaro é praticamente nula, enquanto a perspectiva de poder de Tarcísio é considerável. E se tem algo que as raposas felpudas do PP, do União Brasil e de outros partidos do Centrão sabem fazer é contas.

    Dito isso, resta o imponderável. Bolsonaro é conhecido por levar muito em consideração o que dizem seus seguidores mais radicais nas redes sociais, que podem não gostar do arranjo que o transforma num simples cabo eleitoral de Tarcísio ou de qualquer outro que não seja um Bolsonaro. Ademais, Bolsonaro costuma jogar ao mar quem ousa candidatar-se a receber seu espólio eleitoral, tratando-o, na prática, como um cadáver político. Todos os que ousaram discordar ou disputar protagonismo nesse movimento que leva seu nome foram excomungados por Bolsonaro e seus filhos incendiários. E nada indica que isso tenha mudado, por ora.

    É esse o xadrez que a direita está começando a jogar neste momento, sabendo que do outro lado do tabuleiro está Bolsonaro, que joga como um pombo. Uma candidatura construída nessas bases é naturalmente teratológica, porque não dá para ser democrata e, ao mesmo tempo, ajoelhar no altar no bolsonarismo. Eis o mêlée que redefinirá a direita brasileira num cenário sem o seu maior líder. O plano contempla a estratégia traçada, meses atrás, pelo ex-presidente Michel Temer: cada um dos governadores presidenciáveis – Tarcísio, Ronaldo Caiado (GO), Ratinho Junior (PR), Romeu Zema (MG) e Eduardo Leite (RS) – levaria adiante sua pré-candidatura e, juntos, bancariam um programa liberal único. A definição de quem, afinal, comandaria a chapa se daria no primeiro semestre de 2026, calendário pensado providencialmente para afastar e, ao mesmo tempo, preservar Bolsonaro. Hoje essa liderança converge para Tarcísio de Freitas.

    Lamente-se, entretanto, que uma candidatura que tinha tudo para ser razoável – especialmente ao se opor a um modelo lulopetista que é fiscalmente insustentável, economicamente estagnante e institucionalmente corrosivo – esteja sendo construída com bases tão condenáveis. A estratégia pode até ter sua eficácia eleitoral, mas, sem se distinguir com clareza e coragem do mal que Bolsonaro representa, o projeto seguirá maculado pela genuflexão pusilânime a um golpista contumaz.(Editorial-O Estado de SP)

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