
Na avenida Paulista, no 7 de Setembro de 2021, a democracia brasileira sofreu um ataque pérfido. Naquele feriado, o iracundo então presidente Jair Bolsonaro (PL) prometeu desobedecer ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quatro anos depois, no mesmo local, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), resolveu enveredar pela trilha perigosa desbravada pelo seu padrinho político. Ela serve aos apetites autoritários e conduz à conflagração institucional.
O alvo não mudou. Moraes, que começa a votar no julgamento de Bolsonaro e sete acusados de subversão, segundo o governador promove a tirania e a ditadura de um Poder sobre outros.
Como a do original quatro anos antes, a retórica do imitador recheou-se de bravatas. Bolsonaro em 2021 disse que só sairia preso ou morto do cargo —saiu derrotado nas urnas. Tarcísio jura em 2025 que não tolerará a condenação do ídolo nem a continuidade dos alegados ditadores de toga.
Essas provocações incendiárias colocam lenha na fogueira de quem procura soluções extrainstitucionais para seus reveses políticos e judiciais. Por acreditar nelas, Bolsonaro deixou de cumprir os protocolos da sucessão, tramou uma ruptura e por isso acabará, provavelmente, na prisão.
O que fará Tarcísio se e quando o rochedo do Estado de Direito se interpuser entre suas proclamações demagógicas e a realidade? Vai conspirar com militares como tentou seu padrinho? Vai sabotar a credibilidade do sistema de votação na esteira do que a boçalidade bolsonarista apregoa?
Há problemas no modo como opera a cúpula do Judiciário brasileiro. Esta Folha tem apontado e criticado os retrocessos na defesa da livre expressão, os excessos de poder individual dos ministros e os avanços indevidos da corte sobre atribuições alheias.
Qualificar essas disfuncionalidades de "ditadura", entretanto, é um despropósito que, quando parte de um governador paulista com pretensões presidenciais, se agrava para a afronta acintosa. Ditadura é o que Bolsonaro e seus nostálgicos da força incontrastável gostariam de reviver.
A forma responsável de melhorar as instituições numa democracia é o reformismo. Os defeitos do Supremo —e também os de Congresso Nacional e Executivo— se corrigem com a submissão de projetos de lei, o debate e as deliberações regulamentares.
Bravatas e ataques de representantes de um Poder contra os de outros integram a caixa de ferramentas do populismo autoritário. É típico dessa corrente política rediviva escolher indivíduos em quem descarregar a culpa pelos males do mundo.
Compreende-se que Tarcísio tenha de se aproximar dos Bolsonaros a fim de obter a bênção para sua candidatura ao Planalto. Daí a replicar as condutas que impuseram uma quadra de tensão institucional ao país vai uma distância que não deveria ser percorrida por políticos responsáveis.(Editorial/A Folha de SP)