Sinto minha vida esvaindo-se como a água que colocamos no coador de café pela manhã. No início, parecia que nunca ia acabar. O fluxo era forte, constante e trazia consigo um cheiro muito agradável.
Agora o fluxo da minha vida já está acabando. Assim como a água do coador de café, que se transforma em um pequeno filete e, depois, em gotas. O cheiro bom também já se foi há bastante tempo.
Se você me perguntar se estou preparado, a resposta é um sonoro não. E olha que eu nunca fui uma daquelas pessoas que tem medo da morte. Eu nunca a desejei de verdade. Mas também nunca a temi. Sempre soube, desde muito jovem, que um dia a gente se encontraria.
Só não queria que fosse agora. Se bem que um velho de asilo não tem querer, não é mesmo? Eles nos dizem quando dormir, quando comer, quando ver TV, quando tomar remédio, quando trocar as fraldas e até quando tomar banho. É necessário, mas não menos irritante, justamente por isso.
Ao longo da minha vida, tive quatro experiências de quase morte. A primeira foi quando peguei COVID-19. Agora, quase ninguém fala disso, mas na época o Vírus Chinês quase fodeu a humanidade toda. Milhões de pessoas morreram. Eu era para ser uma delas, pois tinha todas as comorbidades: Pressão alta, problemas de pulmão e obesidade. Mas passei com a água pro peito, como se diz.
A segunda vez, diferentemente das outras, foi inteiramente culpa minha. Eu tinha hemorroida e, todos os dias, na hora de "fazer o 2", durante 18 meses, eu cagava sangue. Quanto fui internado, estava em vias de ter uma falência múltipla de órgãos. Tive que tomar 7 bolsas de sangue e 9 de noripurum antes que costurassem meu fiofó. Daquele dia em diante, parei de vacilar com minha saúde.
A terceira vez que a morte quase montou em meu cangote, foi numa viagem de retorno da represa. Um imbecil, com um carro todo apagado e caindo aos pedaços... Era um gol vinho, me lembro bem.... Decidiu atravessar a pista justamente na minha frente. Se meu pai não tivesse freado a tempo, a família toda tinha ido ao encontro do Pai mais cedo.
Por fim, da quarta e última vez, um ônibus saiu da estrada e entrou na zona urbana à toda velocidade, invadindo a pista em que eu me encontrava. Se minha mulher não estivesse esperta e pronta para acelerar imediatamente, o filho da puta teria nos atropelado. E eu, que estava no banco de trás, teria ido comer grama pela raiz.
Pensando bem, até que demorou para a minha hora chegar. Nem todo mundo consegue chegar aos 94 anos. Mas agora sei que já não me resta muito tempo. Já não consigo viver o presente, pois minha mente frequentemente viaja ao passado, um tempo que não volta mais.
A qualquer hora, sei que a Morte baterá à porta e me levará para um outro quando e um outro onde. Mas não se incomode. Já não tem mais ninguém que dependa de mim ou que estejam por mim. Não será nenhuma grande perda, certamente, mas será - definitivamente - a minha hora mais escura.
Por José Renato Fusco. É Advogado e Jornalista.













