
O ex-chefe da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior confirmou nesta quarta-feira (21), em depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal), que o general Freire Gomes comunicou em 2022 ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) que teria de prendê-lo caso avançasse com planos golpistas contra a eleição de Lula (PT).
"Confirmo sim, senhor. Acompanhei anteontem a repercussão [do depoimento de Freire Gomes], estava chegando de viagem. Freire Gomes é uma pessoa polida e educada, não falou com agressividade, ele não faria isso. Mas é isso que ele falou. Com muita tranquilidade, calma, mas colocou exatamente isso. ‘Se fizer isso, vou ter que te prender’", disse.
Baptista Júnior diz que não viu discordância entre o que ele disse em depoimento e o que relatou o próprio general Freire Gomes, ex-chefe do Exército, ao STF na segunda-feira (19).
O ex-comandante do Exército afirmou que não ameaçou Bolsonaro nem deu ordem de prisão. Declarou que somente indicou a Bolsonaro que ele poderia ser "enquadrado juridicamente" caso adotasse uma medida ilegal. E que o Exército "não iria atuar em algo que iria extrapolar nossa competência constitucional".
Na versão de Baptista Júnior, os relatos dos dois ex-chefes militares não são contraditórios porque, disse, não houve ameaça ou voz de prisão, mas um comunicado sobre os impactos jurídicos de eventual tentativa de golpe de Estado.
O brigadeiro Baptista Júnior foi escolhido por Bolsonaro para comandar a Aeronáutica após uma crise militar. Os chefes das Forças Armadas decidiram deixar os cargos em 2021 após o então presidente demitir o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, alegando falta de apoio dos militares à sua atuação na pandemia, marcada por desafios às autoridades sanitárias.
Por sua participação nas redes sociais, Baptista Júnior acabou sendo conhecido como o mais bolsonarista dos comandantes das Forças. A imagem mudou após ele dar detalhes à Polícia Federal sobre as intenções golpistas de Bolsonaro e aliados no fim de 2022.
O depoimento dele, além do de Freire Gomes, foi uma das bases da denúncia no ponto sobre a chamada "minuta do golpe". O documento teria sido apresentado aos chefes das Forças Armadas em busca de adesão em ao menos duas reuniões —em 7 de dezembro de 2022, pelo próprio Bolsonaro, e em 14 de dezembro, pelo ministro da Defesa, o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira.
Baptista Júnior disse ao Supremo que as conversas com Bolsonaro tiveram um tom golpista crescente em novembro. Em uma das reuniões com o ex-presidente e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, o ex-chefe da Aeronáutica conta que foi aventada a possibilidade de prisão do ministro Alexandre de Moraes.
"Era no brainstorm das reuniões que isso aconteceu. Eu lembro que houve essa cogitação de prender o ministro Alexandre de Moraes, que era presidente do TSE, e amanhã o STF vai soltar um HC [habeas corpus] para soltar ele, e vamos fazer o quê? Vamos prender todo mundo? Estava no brainstorm, e ficou no desconforto", disse.
Segundo o ex-chefe da Aeronáutica, as reuniões dos chefes das Forças Armadas com Bolsonaro logo após o resultado eleitoral tratavam, entre outros tópicos, sobre uma possível decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Baptista Júnior dizia entender que o objetivo era um possível emprego militar para conter eventual "convulsão social", com o florescimento dos acampamentos golpistas e a ação de caminhoneiros para interditar rodovias federais.
Ele começou a perceber que o uso das Forças Armadas tinha como finalidade uma ruptura democrática, para impedir a posse de Lula, a partir de 11 de novembro.
"Existe um conhecimento de emprego militar que diz que a guerra é ganha quando se conquista os objetivos políticos e não militares. A partir de um momento eu comecei a achar que o objeto de qualquer medida de exceção [era] para não haver a assunção do presidente eleito", disse.
"Falei com o presidente Bolsonaro: 'Aconteça o que acontecer, no dia 1° de janeiro o senhor não será presidente'. Ou seja, [a GLO] era para alguma convulsão social, mas nós —os três comandantes e o ministro da Defesa—, no meu modo de ver, não estávamos falando disso", completou.
Baptista Júnior disse que sempre deixou claro a Bolsonaro que não a Força Aérea não apoiaria medidas de ruptura institucional. Ele também conta que apresentou a preocupação com as conspirações ao ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) general Augusto Heleno.
Os dois se encontraram em 16 de dezembro de 2022 durante uma formatura no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). O ex-ministro pediu carona em voo da FAB porque havia sido convocado por Bolsonaro, com urgência, para uma reunião no dia seguinte, um sábado.
"Eu disse a ele que a Força Aérea, por unanimidade do Alto Comando da Aeronáutica, não vamos apoiar qualquer ruptura nesse país. Se alguém for apoiar isso, que saiba das consequências", disse a Heleno.
O ex-chefe militar disse que Heleno estranhou a firmeza com que falou sobre o assunto. Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, se fez a advertência porque imaginava que a reunião teria cunho golpista, Baptista Júnior respondeu que sim.
"O barulho debaixo dos nossos sapatos era muito alto havia muito tempo. Não tinha me deixado confortável. As palavras do ex-presidente na frente do Alvorada, que as Forças Armadas estariam onde ele mandasse, não me deixava confortável. Entendi que o Heleno não seria chamado para coisa trivial, e deixei claro a posição da FAB, que eu ainda não tinha deixado para ele."
Marinha
O ex-comandante da Aeronáutica reafirmou ao STF nesta quarta-feira o que havia dito à PF sobre o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.
Segundo Baptista Junior, Garnier não estava alinhado com ele e Freire Gomes. "Infelizmente, uma vez falei a ele que nada pode ser tão pior para as Forças Armadas que não ter uma postura de consenso, e, talvez isso tenha sido o mais difícil, o almirante Garnier não estava na mesma postura que Freire Gomes e eu", disse.
Ao detalhar esse entendimento, o brigadeiro descreve o momento em que o colega teria dito que colocava as tropas da Marinha à disposição de Bolsonaro.
"Em uma dessas reuniões, eu tenho uma visão muito passiva do almirante. Eu lembro que o ministro Paulo Sérgio e eu conversávamos mais, debatíamos mais, tentávamos demover mais o presidente. Em uma dessas reuniões, chegou o ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente Bolsonaro", disse.
Em seguida, o ex-chefe da FAB afirmou que esteve em uma reunião em que foi apresentada a chamada minuta golpista e ele teria se recusado a permanecer no local, mas que Garnier teria se mantido calado.
"O ministro Paulo Sérgio disse que 'trouxe aqui um documento para vocês verem e para vocês analisarem'. Eu logicamente perguntei a ele se estava na mesa, em um plástico, um documento que previa a não a assunção do presidente eleito. Eu falei: 'não admito sequer receber este documento, não ficarei aqui'. [...] Eu tinha um ponto de corte. Eu tinha muito respeito pelos meus colegas. Mas eu tinha um ponto de corte que era no dia 1° de janeiro. [...] O general Freire Gomes também condenou a possibilidade de avaliarmos aquilo. O Garnier não falou nada e eu saí da sala não sei mais o que houve."(Da Folha de SP)