
O presidente Lula está em seu pior momento político. Pior até do que quando esteve na cadeia — ao menos entrou e saiu de lá nos braços do povo, bem ao gosto de qualquer populista. Seu governo, neste terceiro mandato, não chega a ser odiado. É mais grave do que isso: é alvo de decepção ou de indiferença. Lula 3 não consegue empolgar nem a própria militância. A quase um ano do início da campanha presidencial em que poderá buscar a reeleição, Lula empata nas pesquisas com um monte de gente à direita do PT. Ou seja, há um amplo leque de opções viáveis no centro, na centro-direita e na direita radical para derrotar Lula. Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, é um dos mais citados para concorrer, apesar de fingir que não está interessado.
O governador de São Paulo tenta mostrar que é possível ser um político bolsonarista sem agir como uma bolsonarista. O resultado é uma espécie de agente duplo às claras.
Visto como cria política do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem deve a eleição em São Paulo, Tarcísio provavelmente enterraria sua carreira pública se resolvesse alçar voo solo. Por mais que venda a imagem de gestor eficiente, de tocador de obras, dificilmente sobreviveria à pecha de traidor do bolsonarismo. É diferente de outros nomes da direita, como Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Jr. (PSD), respectivamente governadores de Goiás e do Paraná. Esses ganhariam votos se tivessem o apoio de Bolsonaro, mas não devem fidelidade a ele como ocorre com Tarcísio.
O governador de São Paulo tenta mostrar que é possível ser um político bolsonarista sem agir como uma bolsonarista. O resultado é uma espécie de agente duplo às claras. Tarcísio posa e troca elogios Lula em um momento e, no seguinte, sobe em carro de som com meia dúzia de pessoas que conspiraram ou torceram pela derrubada de Lula. Orgulha-se de construir pontes com o Supremo Tribunal Federal, mas faz do Palácio dos Bandeirantes hospedagem do réu Jair Bolsonaro, que lá se prepara para depor no STF em seu julgamento por tentativa de golpe de Estado. Quando está ao lado do padrinho, o bajula o quanto pode, porque sabe o quanto ele gosta disso, mas quando está longe procura adotar um estilo sóbrio de governar. Não o imita, ao contrário de outros bolsonaretes.
Há pragmatismo na dança do apadrinhamento de Tarcísio com Bolsonaro. Sabe que não poderá concorrer sem estar atrelado a ele — se o ex-presidente não puder subir no seu palanque fisicamente, colocará um parente do seu lado (fala-se na ex-primeira-dama Michelle como possível vice). O senador Flávio Bolsonaro andou avisando que qualquer candidato que venha a receber o apoio de seu pai terá que prometer um indulto a ele. Mais do que isso, precisará estar disposto a enfrentar o STF, com o uso da força, se necessário, caso o Supremo derrube medida que leve à extinção de uma eventual pena recebida pelo ex-presidente.
Por isso, Tarcísio ao lado de Bolsonaro jamais será uma opção moderada. Ele será refém dos radicais do PL e da gangue familiar, mais do que Lula jamais foi dos radicais do PT ou de movimentos sociais de extrema esquerda. Não só porque precisará passar pano para golpistas e uma borracha em seus crimes, mas porque em tudo o que fizer sofrerá a pressão para radicalizar. Não vai ser suficiente colocar um Guilherme Derrite da vida no Ministério da Justiça e Segurança Pública para posar de durão com os bandidos. Terá de oferecer apoio tácito a um Senado, possivelmente controlado pelo PL, em campanha para promover o impeachment de ministros do STF, a começar por Alexandre de Moraes. Terá de transformar a própria presidência em plataforma de relançamento do projeto de poder da família do padrinho — senão do próprio. Os Bolsonaros vão ver Tarcísio como uma escada para voltar ao Palácio do Planalto como cabeça de chapa na eleição seguinte. Uma imitação com escalas da trajetória traçada por Donald Trump, no Estados Unidos, de um retorno “heroico” para terminar o serviço que o “sistema” emperrou da primeira vez. Sabemos o que isso significa.
*Por Diogo Schelp