Investigação retornou à Polícia Civil depois de um pedido do Ministério Público para novas diligências. Série do g1 conta histórias de famílias marcadas para sempre pelo dia 25 de novembro.
Quase um ano depois da batida entre um ônibus e um caminhão que matou 42 pessoas em Taguaí (SP), o inquérito que apura as causas do acidente ainda segue em fase policial. A investigação retornou à Polícia Civil depois de um pedido do Ministério Público por novas diligências.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito foi relatado à Justiça em fevereiro, com o indiciamento do motorista do ônibus por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e lesão corporal.
A Polícia Civil chegou a essa conclusão depois de receber um laudo, que aponta que não houve falha nos freios do veículo.
A empresa de ônibus Star Turismo também foi indiciada, mas por exercício irregular da profissão, já que não tem licença para o transporte de passageiros, e também por expor a perigo a vida dos passageiros.
Já as três fábricas, onde os passageiros trabalhavam e para onde seguiam quando houve o acidente, foram indiciadas por expor a perigo a vida das pessoas. Segundo a polícia, elas eram responsáveis pela contratação do ônibus.
Apesar dos indiciamentos, o inquérito retornou ao distrito policial "para cumprimento de cota ministerial". De acordo com a delegada Camila Rosa Alves, o Ministério Público pediu à polícia um laudo complementar sobre o ônibus e uma nova oitiva do ajudante do motorista do caminhão.
"Eles querem saber se todos os cintos estavam funcionando, mas já foi informado pelo perito que foi verificada a existência dos cintos, mas pelo estado do ônibus, não dá para saber se todos estavam funcionando", explica a delegada.
Já a oitiva do auxiliar ainda não foi realizada, segundo a delegada, porque o homem não mora em Taguaí e foi necessário fazer uma carta precatória para comunicá-lo sobre o depoimento. A delegada disse que a carta já foi expedida, e ela aguarda que o documento retorne para a delegacia.
"O inquérito foi concluído e enviado ao Ministério Público, aí a cota ministerial é alguma dúvida que ficou, alguma diligência, mas não altera em nada o que a gente já concluiu no relatório final", afirma Camila.
Depois que as novas diligências forem concluídas, o inquérito será encaminhado à Promotoria de Justiça de Fartura.
Em nota, o promotor Pedro Rafael Nogueira Guimarães disse que, quando receber a documentação, "será feita detida análise para formar a minha convicção e oferecer as medidas judiciais pertinentes".
Apesar disso, o promotor não explicou porque pediu as novas diligências e ainda não ofereceu denúncia.
A defesa da Star Turismo disse que a empresa de ônibus parou de exercer as atividades por causa de dívidas e que a ação trabalhista focou apenas nas confecções.
Os advogados das três empresas de confecção envolvidas, Prime Jeans, Creative Jeans e Virtual Jeans, afirmaram que o transporte não foi contratado por elas que, desde 2017, deixaram de fornecer transporte aos funcionários.
Segundo a defesa, as empresas pagavam vale-transporte em holerite para os trabalhadores e, "apenas por questão de facilitação do pagamento, havia o repasse do valor pago pelos funcionários a empresa de transporte, por meio de desconto em folha de pagamento".
A defesa também pontuou que "Stattus Jeans", que foi citada inicialmente como a empresa onde os passageiros do ônibus trabalhavam, é uma nomenclatura dada popularmente ao prédio onde as três empresas de confecção estão sediadas.
Acordo e indenização
Além do inquérito da Polícia Civil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu uma investigação contra as empresas envolvidas no acidente. No último dia 4, o órgão divulgou que fechou um acordo com as três empresas, que se comprometeram a indenizar as famílias.
De acordo com o MPT, as empresas Prime Jeans, Creative Jeans e Virtual Jeans celebraram Termos de Ajuste de Conduta (TACs) no fim de setembro. Com isso, elas se comprometeram a pagar R$ 39 mil para cada família de 40 vítimas, a título de danos materiais e individuais, de acordo com o vínculo empregatício de cada trabalhador.
O Ministério Público do Trabalho informou que o montante será pago de forma parcelada pelo prazo de 26 meses, em parcelas mensais de R$ 1,5 mil.
Apesar disso, se as famílias não aceitarem o acordo, que não é obrigatório, podem ajuizar ações individuais na Justiça do Trabalho, pleiteando verbas trabalhistas e indenização por danos materiais e danos morais, com a possibilidade de valores maiores para reparação.
O TAC também não prevê prazo para as famílias aceitarem a indenização, mas o MPT informou que fará o acompanhamento da conduta trabalhista das empresas e, quando necessário, irá agir.
A defesa das três empresas citadas no acordo explicou que apenas 40 vítimas foram englobadas porque um dos passageiros do ônibus que morreu no acidente não fazia parte do quadro de funcionários das empresas.
Disse ainda que está entrando em contato com as famílias para falar sobre o acordo e que os parentes que concordaram com o valor já estão sendo indenizados. Apesar disso, os advogados não informaram quantas famílias aceitaram o acordo.
Transporte atual
Além da indenização, as empresas se comprometeram com o MPT a fiscalizarem o transporte dos funcionários. Um acordo extrajudicial, firmado pela procuradora Ana Carolina Marinelli Martins, do MPT em Sorocaba, prevê multa diária de R$ 500 em caso de descumprimento do acordo.
"Notificamos as empresas compromissárias para que as mesmas comprovem nos autos o início do pagamento de referidas indenizações, bem como informe que empresa está realizando o transporte dos trabalhadores, juntando o contrato firmado, fotos do ônibus que realiza o transporte e documentos que comprovem a manutenção do veículo", informou o MPT.
Atualmente, as empresas Prime Jeans, Creative Jeans e Virtual Jeans informaram que o transporte contratado para conduzir os funcionários "possui todas as autorizações necessárias, bem como os ônibus fornecidos por ela estão em perfeitas condições, inclusive assegurados e documentalmente comprovados".
Em nota, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) disse que mantém ações periódicas de fiscalização de transporte intermunicipal em todo o estado, sendo que a região de Taguaí e Taquarituba foi alvo de 27 operações intensivas de fiscalização desde o ano passado.
Como está o motorista?
O motorista do ônibus envolvido no acidente, que foi indiciado por homicídio culposo, não quis dar entrevista ao g1. De acordo com o advogado Hamilton Gianfratti, o motorista Mauro Aparecido de Oliveira está desempregado e em depressão profunda.
Ele disse que o cliente não tem "qualquer condição de se manifestar sobre o ocorrido" e que a defesa acredita que o aspecto jurídico deve favorecê-lo por ter sido um crime sem intenção.
"A minha tese é que ele vai ter que ser enquadrado em um delito de trânsito, com pena menor, porque ele não quis fazer aquela ultrapassagem, foi uma surpresa. É uma questão de opção, de segundos. Não houve a vontade, a imprudência de dizer 'eu vou ultrapassar'. Foi em uma curva, e a proximidade com os veículos da frente, que estavam quase parados, foi muito rápida e ele teve que desviar. Então foi uma fatalidade", afirma o advogado.
Ainda conforme Gianfratti, se o motorista for denunciado pelo Ministério Público, o advogado vai fazer a defesa prévia e irá para a audiência de instrução e julgamento. Para o fim do processo, a defesa diz que "crê no aspecto humanitário do juiz".
Acidente
A batida entre o ônibus e o caminhão aconteceu às 6h35 no quilômetro 172 da Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho. Com o impacto, o caminhão bitrem, que levava uma carga de esterco, invadiu uma propriedade rural, e várias vítimas foram arremessadas do ônibus e ficaram amontoadas na pista.
O passageiro do bitrem que sobreviveu ao acidente afirmou que o ônibus tentou ultrapassar outro caminhão e invadiu a contramão em um trecho de faixa contínua. Conforme o relato de um sobrevivente, a maioria dos passageiros estava sem cinto de segurança e dormia na hora da batida.
Já o motorista do ônibus disse, para a polícia e entrevistas, que não tentou ultrapassar outro veículo no trecho onde era proibido e que houve uma falha no freio do ônibus. O homem alegou que, por isso, teve que jogar o ônibus para o lado para não colidir com o veículo que estava à frente.
Ao todo, 37 mortes foram confirmadas no local do acidente e os feridos foram encaminhados para três hospitais em Taguaí, Fartura e Taquarituba (SP). De 15 sobreviventes socorridos após a batida, quatro morreram antes de dar entrada nos serviços de saúde. A 42ª vítima morreu no dia 29 de novembro, em um hospital de Avaré.
O ônibus transportava, além do motorista, que sobreviveu, 52 funcionários de uma empresa têxtil que fica em Taguaí. O veículo pegou passageiros em Itaí, Taquarituba e seguia para Taguaí quando bateu, a cerca de cinco quilômetros do destino final.
Já no caminhão havia dois motoristas, e o homem que dirigia o veículo morreu na batida. Ele não tinha habilitação para dirigir caminhões e, por isso, havia contratado um ajudante, que sobreviveu ao acidente.
Depois da batida, o Governo de São Paulo montou uma força-tarefa para identificar e liberar os corpos das vítimas, que foram levados para o Instituto Médico Legal (IML) de Avaré.
Os corpos começaram a ser velados na noite do dia 25 de novembro, no ginásio de esportes de Itaí, de oito em oito por vez. Já os enterros tiveram início na madrugada do dia 26 de novembro e aconteceram durante toda a manhã.(Do G-1/Reportagem: Júlia Nunes e Rafaela Zem/Edição de texto: Paola Patriarca/Produção: Júlia Nunes, Rafaela Zem, Douglas Belan, Francine Galdino e Mayla Rodrigues.