Em uma decisão unânime e de grande repercussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de leis municipais que proíbem a menção a questões de gênero e orientação sexual nos currículos escolares. O veredito, que analisou normas das cidades de Tubarão (SC), Petrolina (PE) e Garanhuns (PE), consolidou o entendimento de que a definição de diretrizes curriculares é uma competência exclusiva da União, exigindo um tratamento uniforme em todo o território nacional.
O julgamento, no entanto, foi além da simples questão de competência legislativa e revelou um debate profundo entre os ministros sobre como a sociedade deve abordar temas sensíveis no ambiente educacional.
De um lado, ministros como Kassio Nunes Marques, Flávio Dino e Cristiano Zanin trouxeram à tona a crucial discussão sobre a proteção da infância. Eles argumentaram que a liberdade de cátedra não é absoluta e deve ser exercida com responsabilidade, adequando o conteúdo à maturidade emocional e cognitiva de cada faixa etária. Os ministros expressaram uma preocupação conjunta contra a "hiperssexualização" ou "adultização" precoce das crianças, defendendo que a infância deve ser um período de "experimentação segura", preservado de decisões e polêmicas complexas para as quais ainda não possuem repertório.
De outro lado, o ministro Alexandre de Moraes apresentou um contraponto vigoroso. Para ele, "preservar a infância não significa escondê-la da realidade". Moraes criticou as leis municipais, equiparando-as a um retrocesso ao "período da inquisição" e defendendo que a escola deve ser justamente o espaço para oferecer informações sérias e combater a desinformação. O ministro vinculou a proibição do debate escolar ao discurso de ódio nas redes sociais e à alarmante estatística de que o Brasil é, pelo 16º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.
A decisão do STF serve, portanto, como um marco em duas frentes. Primeiro, reafirma a hierarquia federativa, impedindo que uma colcha de retalhos legislativos municipais fragmente a educação nacional. Segundo, estabelece um equilíbrio delicado: assegura o direito de as escolas abordarem esses temas essenciais para a formação cidadã e o combate à discriminação, mas sem ignorar o princípio pedagógico de que tal abordagem deve ser feita de forma adequada a cada idade, sempre priorizando o bem-estar e o desenvolvimento pleno do aluno.