* Por: Marcela Fernanda de Andrade
Quando falamos em crises no autismo, é comum que muitas pessoas associem esses momentos a simples “birras” ou “falta de limites”. No entanto, do ponto de vista neurocientífico, as crises autísticas — também conhecidas como meltdowns — são fenômenos complexos que envolvem uma sobrecarga no funcionamento do cérebro, especialmente nas áreas relacionadas ao processamento sensorial, emocional e comportamental.
Durante uma crise, o cérebro da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) entra em um estado de sobrecarga neurológica. Isso significa que ele está recebendo mais informações do que consegue processar naquele momento. Sons, luzes, cheiros, toques, mudanças de rotina ou até mesmo emoções intensas podem desencadear esse colapso interno.
Do ponto de vista biológico, o que ocorre é uma hiperativação do sistema límbico, principalmente da amígdala — estrutura cerebral responsável por identificar ameaças e regular respostas emocionais. Essa hiperatividade faz com que o corpo interprete o ambiente como perigoso, ativando o sistema nervoso autônomo e desencadeando respostas de luta, fuga ou paralisação.
Paralelamente, há uma redução na atividade do córtex pré-frontal, área responsável pelo raciocínio lógico, autocontrole e tomada de decisões. Ou seja, em meio à crise, a pessoa não “escolhe” se acalmar ou reagir — o cérebro simplesmente não tem recursos disponíveis para isso naquele momento. É por isso que insistir em repreender, gritar ou tentar “impor controle” apenas intensifica o sofrimento e o caos interno.
Pesquisas em neuroimagem mostram que o cérebro autista possui diferenças na conectividade neural, o que pode afetar a forma como as informações sensoriais são integradas e interpretadas. Enquanto um cérebro neurotípico filtra estímulos irrelevantes automaticamente, o cérebro autista tende a processar tudo ao mesmo tempo, sem conseguir hierarquizar o que é importante. Essa ausência de filtro natural contribui para que estímulos simples — como o barulho de um ventilador ou o toque de uma roupa áspera — se tornem extremamente desconfortáveis.
Compreender esses processos é essencial para substituir o julgamento pela empatia. Durante uma crise, a pessoa com autismo não está “fazendo cena”, mas lutando para reorganizar o próprio sistema nervoso. O acolhimento, o silêncio, o respeito ao espaço e o ambiente tranquilo são estratégias que ajudam o cérebro a retomar o equilíbrio.
A longo prazo, o acompanhamento com profissionais especializados — fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e neurologistas — pode auxiliar na regulação sensorial e emocional, diminuindo a frequência e a intensidade das crises. Além disso, o suporte familiar e educacional é fundamental para construir um ambiente previsível e seguro, que favoreça o desenvolvimento e o bem-estar.
Em resumo, as crises no autismo não são falhas de comportamento, mas respostas neurológicas legítimas a uma sobrecarga cerebral. Com informação, sensibilidade e preparo, é possível transformar esses momentos de dor em oportunidades de compreensão e acolhimento.
Sobre a colunista
Marcela Fernanda de Andrade é pós-graduada em Neurociência, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Educação Especial e Inclusiva, com Capacitação em TEA pela Universidade de Harvard. É mãe atípica, Mestranda em Distúrbios da Fala e Comunicação Humana.
Instagram: @neurofono_marcelaandrade













