Li recentemente no jornal O Estado de São Paulo, uma matéria fascinante que resgata apenas mais um, dos muitos episódios surreais da política brasileira.
Eu já conhecia a história porque meu pai sempre a conta.
O ano era 1999, e Itamar Franco, ocupava o posto de Governador de Minas Gerais.
O político mineiro era bravo e estava muito rancoroso. Assim não demorou nada para que ele entrasse em rota de colisão com o Governo Federal, de Fernando Henrique Cardoso, para impedir a venda de Furnas – um embate que ecoa na política mineira até hoje.
Imagine a cena: cerca de 2.500 policiais militares de Minas Gerais desembarcando na região do lago da represa de Furnas, em Capitólio (MG), para "exercícios militares" em outubro de 1999. Mas não era só treino de rotina. Havia o risco real de que explodissem o dique da represa que abastecia a usina hidrelétrica federal. "Isso é coisa do governador", disse o comandante da operação ao ser questionado pela imprensa no local, na oportunidade.
Para quem não sabe, Itamar Franco, era Ex-Presidente da República e filiado ao PMDB na época.
Sua guerra declarada era contra o Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a tentativa de privatizar Furnas.
O plano de Itamar era direto, pelo menos no papel: Romper o dique desviaria as águas do Rio Grande para o Rio São Francisco, de modo a desabastecer a represa e, consequentemente, reduzir a capacidade da mesma, de gerar energia.
Isso tornaria a empresa menos lucrativa e menos atraente para compradores.
"Furnas, enquanto Governador for, só será privatizada com a intervenção das Forças Armadas. E assim mesmo eu quero ver", desafiou Itamar à época, em uma das muitas declarações que flertavam com a ideia de um confronto entre a Polícia Militar de Minas Gerais e o Exército Brasileiro.
O Ex-Deputado Sávio Souza Cruz, que atuou como Secretário no Governo Itamar, sugeriu ao Chefe vestir o uniforme de "Comandante Supremo da Polícia Militar". "Ele gostou da ideia, mas depois a ala mais conservadora do Governo o demoveu", contou Souza Cruz, quase três décadas depois.
Segundo ele, Itamar contava que o simples movimento de tropas espantaria investidores. "Ele dizia: ‘Imagina que você é uma velhinha na Suíça e seu manager de investimento quer aportar dinheiro numa usina que fica em um Estado em que o Governador é um Ex-Presidente e está ameaçando explodir a Represa’. Não tinha jeito", contou.
Naquele momento, a ação foi vista como uma jogada de marketing para marcar oposição a FHC, mas a mágoa de Itamar era profunda: Seu Ex-Ministro da Fazenda recebera os louros pelo Plano Real, e ele esperava suceder o tucano em 1998. Mas FHC aprovou a reeleição no Congresso, venceu nas urnas e governou por mais quatro anos – Itamar até anunciou candidatura, mas o PMDB optou por apoiar o PSDB em uma convenção caótica.
A Ex-Repórter do Estadão, Ivana Moreira, enviada especial a Capitólio na oportunidade, lembra que a mobilização durou de três a quatro dias e terminou sem explosões. "Era tudo jogo de cena. Na verdade, era um treinamento de rotina da corporação, que já estava agendado, e ele [Itamar] aproveitou aquilo para reforçar a encenação, aumentando absurdamente o número de pessoas que participavam do treinamento para mandar um recado político (...) Eu escrevi em uma das matérias que era a República do Pão de Queijo contra o McDonald’s", lembra Ivana, aludindo à postura nacionalista de Itamar contra a entrada do capital estrangeiro em setores estratégicos, política incentivada por FHC.
Furnas não foi o único front de batalha. Logo ao assumir, Itamar declarou moratória da dívida mineira, suspendendo pagamentos à União e a bancos estrangeiros, agravando a crise cambial no início do segundo mandato de FHC. Em retaliação, o Presidente cortou repasses federais a Minas.
"Itamar [Franco] corcoveando com o negócio da dívida, não quer pagar. O que quer, na verdade, é criar um caso político. Daqui a pouco vou ter que dar uma paulada firme nele", escreveu FHC em seu diário, aos 3 de janeiro de 1999. No dia 11, ele prosseguiu: "Enfim, são circunstâncias com as quais vou ter que lidar nos próximos quatro anos. Itamar dará trabalho o tempo todo porque ele tem mágoa, despeito, quer voltar à Presidência".
Em 2000, Itamar mobilizou a PM novamente, desta vez para proteger o Palácio da Liberdade de um suposto plano federal de invasão com tropas. Isso veio após o MST ameaçar uma fazenda da família de FHC em Buritis (MG). O presidente enviou o Exército, alegando que Itamar ignorara pedidos para ação preventiva da PM.
O Advogado José Murilo Procópio de Carvalho, então Conselheiro da OAB e parte de uma Comissão com a hoje Ministra do STF Cármen Lúcia, deu suporte jurídico contra a privatização. "Fui recebido por Itamar no Palácio e me deparei com uma armação de tropas ali nos jardins do Palácio, com fuzis, armas expostas, jipe também, como se esse pessoal fosse para a guerra", afirmou.
"O Itamar guardava o ódio no congelador", acrescenta Carvalho, brincando com uma frase de Tancredo Neves sobre o Ex-Presidente.
A operação enfrentou resistência no Congresso, e FHC não privatizou Furnas. A Estatal só foi vendida no Governo Bolsonaro, com a Eletrobras – em 2024, incorporada à empresa-mãe.
O legado de Itamar persiste: Em 2001, ele aprovou a exigência de referendo popular para privatizar a CEMIG e a COPASA, empresas de energia e saneamento em Minas. O atual Governador Romeu Zema (Novo) tenta reverter isso.
Inicialmente, quis eliminar o referendo para ambas, mas recuou para só a COPASA, pois a CEMIG deve ser cedida ao Governo Federal para abater dívidas do Estado de Minas Gerais para com a União. A PEC está pronta para votação.
Essa história, contada pelo Estadão, mostra como velhas rixas moldam o presente.
Em nossos dias, supostos experts em política gostam de dizer que vivemos em tempos de polarização, o que passa longe da verdade, pois a política brasileira sempre teve seu lado explosivo – literal e figurado.
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