Em meio ao turbilhão de conexões virtuais e à incessante cobrança por um desempenho otimizado, um mal-estar de natureza inédita se alastra pela psique contemporânea. Não se trata da fadiga resultante de um esforço físico ou da opressão de um sistema de controle externo, mas de um esgotamento silencioso, profundo e, paradoxalmente, autoimposto. O tempo, que deveria ser o palco da vida, escorre pelos dedos, consumido por uma maratona sem linha de chegada.
Para o filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han, um dos mais perspicazes analistas da atualidade, este cansaço é o sintoma inequívoco de uma nova ordem social: a sociedade do desempenho. Sua obra, em especial A Sociedade do Cansaço, não apenas diagnostica a patologia da nossa época, mas revela a perversidade de um sistema que trocou o controle disciplinar pela autoexploração voluntária.
A tese central de Han reside na transição histórica do modelo social. Deixamos para trás a "sociedade disciplinar" de Michel Foucault, onde o poder se manifestava através da proibição, da repressão e do confinamento — prisões, hospitais, fábricas. O indivíduo era um sujeito submetido ao dever e ao não-poder.
A sociedade contemporânea, contudo, opera sob um novo imperativo: o "Yes, we can!". O indivíduo não é mais um sujeito, mas um projeto que deve se realizar, um empreendedor de si mesmo. A repressão externa foi substituída pela autootimização. O lema não é mais "você deve", mas "você pode".
O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito de obediência. O imperativo do desempenho, contudo, não é menos coercitivo que o imperativo disciplinar.
A tragédia reside no fato de que o algoz e a vítima são a mesma pessoa. O indivíduo, na crença de estar exercendo sua máxima liberdade e potencial, se explora até a exaustão. A culpa por não ser produtivo, feliz e bem-sucedido recai inteiramente sobre os ombros do indivíduo, gerando as patologias psíquicas características da nossa era: depressão, burnout e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O cansaço, neste contexto, é depressivo, pois é a exaustão de quem luta eternamente contra a própria incapacidade percebida.
Essa lógica de desempenho se estende ao campo das relações humanas, culminando naquilo que Han chama de "sociedade da transparência". Tudo deve ser exposto, mensurável e imediatamente acessível. As redes sociais se tornam o palco onde a vida é transformada em performance, e o valor do indivíduo é capitalizado em likes e seguidores.
Neste ambiente, a amizade genuína se torna uma vítima. A amizade, em sua essência, exige tempo, silêncio compartilhado, a aceitação da opacidade e da complexidade do outro. Ela é lenta e não se presta à otimização. É substituída pela ilusão da conexão permanente, onde estamos sempre em contato, mas profundamente sós. A nostalgia do encontro físico e do abraço real é o luto por uma humanidade que se esvai na superfície do digital.
A aceleração da vida moderna, brilhantemente descrita por pensadores como Hartmut Rosa, nos rouba a experiência profunda. Vivemos um "presente alongado", saturado de obrigações futuras e reações a notificações. O tempo não é mais experienciado, mas gerenciado. Planejamos, otimizamos, mas não contemplamos.
A vida, que é curta, é percebida como uma maratona interminável de tarefas. E, num viés macabro da sociedade do desempenho, a velhice e a improdutividade se tornam um fardo social, pois o valor reside apenas no que é útil e no que pode ser capitalizado. A vida se torna um saldo decrescente de tempo útil, e a sabedoria do passado é desprezada em favor da novidade incessante.
A grande tragédia, alerta a reflexão inspirada em Han, é que o sistema de autoexploração é tão eficiente que o arrependimento só vem quando o dano é irreversível: o corpo adoeceu, as relações se tornaram superficiais, a alma está leve de lembranças significativas.
Mas a saída não reside na revolução externa, e sim na resistência íntima. Não se trata de um luddismo tecnológico, mas de criar "desertos" no meio do barulho. A resistência é um ato político de cultivar a desconexão e reabilitar o tempo ocioso e improdutivo.
A cura para a sociedade do desempenho passa pela reabilitação da capacidade de não fazer. É no tédio criativo, na simples presença e na aceitação da lentidão que reside a possibilidade de resgatar o sentido.
Cultivar a desconexão como um ato de preservação da mente; proteger o tempo ocioso; escolher a profundidade — uma conversa longa no lugar de cem mensagens; um livro denso no lugar de rolagens infinitas. Reabilitar os rituais que quebram a aceleração: uma refeição sem celulares, um passeio sem destino, uma visita "sem motivo".
Perceber esse cansaço e essa falta já é o primeiro — e mais crucial — ato de rebeldia. É o eco daquilo que ainda é genuinamente humano, clamando por vínculo, tempo e um sentido que o desempenho jamais poderá medir. Antes que o tempo, de fato, acabe para todos nós.
Hoje os amigos não são mais amigos, mas sim telas que intermediam, tristemente o homem sem sentimento
*Por André Guazzelli













