
Parece ter causado comoção uma série de pontos levantados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, na votação sobre a suposta trama golpista liderada por Jair Bolsonaro em que indicou a absolvição do réu em crimes a ele imputado. Mas Fux, na verdade, apesar do tom professoral, a despeito de proclamar um voto supostamente técnico, deu voz a milhões de pessoas que pensam exatamente como ele se posicionou, mas se sentem acuadas por um “sistema” que obrigaria a todos a se comportarem da mesma forma neste caso.
Há, compreensivelmente, muita gente indignada com o voto de Fux, aparentemente até entre os colegas de toga. Mas o ponto positivo disso tudo é que o ministro revelou de maneira mais clara como pensa parte expressiva da sociedade brasileira – inclusive juristas. Agora, as posições antagônicas estão mais à luz e representadas na corte. Neste sentido, tivemos um voto político que mostra que qualquer unanimidade a respeito do que se discute são artificiais. A democracia é divergente e barulhenta. Até mesmo um pouco estressante em meio a tantos ruídos.
Enquanto os jornais, os principais comentaristas, juristas com holofotes, estão há dias a tentar mostrar como Bolsonaro e companhia conspiravam, a reação ocorria em outro lugar. Nos grupos de WhatsApp de gente da classe média, em postagens no “X”, nas festas de família, nas conversas após a missa. Havia até uma certa indignação contra a “perseguição política” em curso.
São engenheiros, médicos, empresários, donas de casa, aposentadas, que dia sim e dia também sim repetem expressões como “ditadura de toga”, “cartas marcadas”, que acham que os jornais tradicionais - tomados por militantes “de esquerda” (sic) - distorcem o que ocorre no País.
No limite, gente que considera o presidente Donald Trump correto. Essa parcela da sociedade não pode ser considerada residual – como indicam as pesquisas eleitorais, a registrar Jair Bolsonaro, às vezes, em empate técnico com Lula. “Eu tenho direito de desconfiar das urnas”, costumam dizer.
Algo em especial une essas pessoas: consideram o ministro Alexandre de Moraes uma espécie de anjo mau. A ele são dedicadas expressões duras como “psicopata”, “ditador”, ou mesmo ameaça à democracia. Sonham com seu afastamento. Pesaram questões como censuras às redes sociais, os processos sem fim sob sua guarda, e as altas penas aos vândalos de 8/1, tidos como desproporcionais. Consideram que há fraudes processuais, ameaças a parlamentares, e que prisões tem sido definidas apenas por opinião política. “Liberdade de expressão” virou bandeira de quem está contra o Supremo, Alexandre de Moraes, parte da intelectualidade e quem mais que represente o “establishment”.
Esses enfezados são as mesmas pessoas que vão aos eventos chamados pelo Bolsonarismo? Não necessariamente. O mais apropriado seria dizer que é um grupo que inclui o bolsonarismo. Até a manifestação de Fux, havia um certo desespero no sentido de ninguém de dentro do Supremo “enfrentar” Xandão. Finalmente tiveram um caso.
A turma hoje lavou a alma. Agora, vai utilizar o voto de Fux diuturnamente em suas batalhas políticas. Não é à toa que no “X”, um dos seus principais campos de batalha, teve como trending a expressão “Fux honra a toga”. Por outro lado, nessa guerra de torcidas sem fim que virou o Brasil, Fux virou alvo dos militantes de esquerda, com um ódio diretamente proporcional à alegria dos bolsonaristas. Provavelmente tem consciência das consequências de sua posição.
Opinião por Fabiano Lana
Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro "Brasil acima da lucidez", em que discute a política, a história, a cultura e a sociedade brasileira.