Já estamos suficientemente distantes do início turbulento do século XXI para fazer um balanço, mas ainda demasiado próximos para compreender o seu sentido completo. Vivemos uma época de paradoxos vertiginosos: nunca a humanidade teve tanta informação ao seu alcance, e nunca se sentiu tão perdida diante do futuro. A pergunta que se impõe, enquanto espreitamos o horizonte de 2026, não é sobre as próximas inovações tecnológicas, mas sobre os próprios fundamentos da nossa existência coletiva. O que nos resta como certeza, o que se ergue como mistério intransponível e, no fim, o que ainda ousamos almejar?
A resposta a esta tríade existencial — saber, duvidar, desejar — define o mapa da nossa sobrevivência enquanto espécie consciente e ética.
Saberemos, certamente, mais. A expansão do conhecimento factual, técnico e quantificável avança a uma velocidade exponencial. Em 2026, algoritmos mapearão em tempo real pandemias e tendências de consumo, telescópios perscrutarão exoplanetas com detalhes sem precedentes, e a inteligência artificial diagnosticará doenças a partir de um mero suspiro.
Contudo, a questão crucial não é a quantidade de dados, mas a sua qualidade em termos de compreensão humana. Teremos montanhas de informação, mas careceremos cada vez mais da sabedoria para lhes dar significado. O grande risco de 2026 não é a ignorância, mas a ilusão do conhecimento total — a crença perigosa de que tudo pode ser medido, otimizado e previsto. Esta mentalidade relega a intuição, a poesia e o paradoxo ao lugar de meras curiosidades arcaicas, sufocando a dimensão mais profunda e inquantificável da experiência humana.
A dúvida, outrora o motor do pensamento crítico e da filosofia, tornou-se uma commodity distorcida na era da desinformação. Em 2026, a dúvida não será mais sobre a busca da verdade, mas sobre a própria possibilidade de uma verdade comum. Duvidaremos das instituições, das narrativas globais, das imagens que vemos e dos sons que ouvimos, dada a sofisticação da deepfake e da desinformação algorítmica.
No entanto, a dúvida mais urgente e salutar que precisamos cultivar será a dúvida sobre nós mesmos. É um imperativo ético questionar os nossos próprios preconceitos, reforçados pelos filtros digitais que nos isolam em bolhas de confirmação. É um dever cívico duvidar da justiça do conforto que desfrutamos face a um planeta em stress e a desigualdades que teimam em crescer. Duvidar, em 2026, será um ato de coragem e a única base sólida para a construção de um novo consenso social.
Num mundo saturado de possibilidades de consumo e de curtas-metragens de felicidade instantânea, o desejo tornou-se superficial e programável. O desafio para 2026 será reencontrar a dimensão profunda do desejo, aquela que transcende a lógica do mercado e da otimização.
O desejo autêntico não se manifesta no último aparelho tecnológico, mas na conexão autêntica com o outro. Não se busca mais a imortalidade digital, mas uma vida com propósito que deixe uma marca suave e positiva no mundo. O grande desejo humano, que resistirá a todas as tecnologias, será o de pertença, de sentido partilhado, e de um pacto renovado com a natureza, da qual nos sentimos paradoxalmente mais alienados do que nunca.
Portanto, ao adentrarmos 2026, o nosso maior desafio não será tecnológico, mas existencial. Poderemos saber quase tudo, mas a verdadeira questão é: teremos a humildade para reconhecer o muito que ignoramos? Poderemos duvidar de tudo, mas teremos a sabedoria para discernir em que bases construir um novo consenso? Poderemos desejar infinitamente, mas teremos a lucidez para desejar o que verdadeiramente nos humaniza?
A resposta não está nos chips de silício, mas nas nossas escolhas. O ano de 2026 será um espelho. Mostrar-nos-á não o futuro, mas o retrato nítido do que, hoje, decidimos valorizar, questionar e amar. Que tenhamos a coragem de olhar para ele e de, finalmente, agir de acordo com as respostas que encontrarmos.













