Há um relógio antigo na sala da minha avó. Ele não marca mais as horas; ele guarda o tempo. Dentro de sua caixa de madeira gasta, ressoa o tique-taque não dos segundos que se esvaem, mas de todas as memórias que se fixaram. Às vezes, paro diante dele e me inclino. O que escuto não é o som mecânico do tempo que passou, mas o eco visceral das risadas que se perderam pelo corredor, o sussurro das conversas à mesa de jantar, o calor dos abraços que nos sustentaram nos dias frios. É a própria eternidade de um lar.
Percebo então que o que move o coração humano não são os grandes feitos, os triunfos anunciados ou as metas alcançadas. A vida não se mede por pódios. O que nos move, o que verdadeiramente nos faz pulsar, é o fio invisível e indestrutível que nos conecta ao outro, a frágil e sublime teia da humanidade.
É o cheiro do café pela manhã, que é a promessa silenciosa de que alguém compartilha o mesmo dia, a mesma luz, a mesma incerteza que você. É a mensagem inesperada de um amigo distante, carregada do peso do "pensei em você", um reconhecimento de que a distância é apenas geográfica. É a mão que se estende no momento de desequilíbrio, o olhar que compreende sem palavras, o silêncio que acolhe em vez de julgar, oferecendo um porto seguro na tempestade do existir.
Existir é um ato solitário por excelência. Caminhamos sozinhos em nossa própria pele, enxergando o mundo através de janelas únicas e intransferíveis. Mas é na tentativa constante de traduzir o intraduzível para outra alma que a magia acontece. É na oferta do que somos, por mais simples e imperfeito que seja, que encontramos nosso lugar no mundo, transformando a solidão em comunhão.
O relógio da minha avó está parado, mas o coração que ele guarda não. Ele bate no ritmo das canções de ninar, no compasso das despedidas, no samba das festas de família. Ele é movido pelo amor, esse artesão humilde e persistente que, com os fios frágeis dos dias, tece a única certeza que realmente importa: a de que, embora sejamos feitos de solidão, fomos criados para o encontro.
E é nesse tique-taque mudo que reside a saudade mais profunda. A saudade da infância, quando o tempo não era uma flecha, mas um círculo infinito. A saudade de quando o relógio da avó marcava apenas o intervalo entre uma brincadeira e outra, e o futuro era uma abstração distante. A saudade de um tempo em que o amor não precisava de nome, apenas de presença.
No fim, descobrimos que o que move o coração não é um mistério, mas uma simples e avassaladora verdade: ele bate para quem o escuta. Ele vive para quem o habita. E pulsa, sempre, no compasso esperançoso de um novo começo, na fé quieta de que o próximo abraço, a próxima palavra, o próximo amanhecer, trará consigo a razão de sempre seguirmos em frente, carregando a doce e irremediável nostalgia daquele tempo em que tudo era apenas o começo.
*Por André Guazzelli













