
A proposta do governo federal de eliminar a exigência de aulas em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) representa um passo significativo rumo à democratização do acesso à mobilidade no país. Sob a liderança do ministro dos Transportes, Renan Filho, a iniciativa divulgada visa enfrentar um problema histórico: o alto custo para se tornar motorista habilitado no Brasil, que varia entre R$ 3.000 e R$ 4.000.
Segundo o ministro, esse valor gera um efeito perverso. Estima-se que cerca de 20 milhões de brasileiros dirijam sem habilitação, e que outros 60 milhões em idade para dirigir não possuem o documento —principalmente devido ao peso financeiro. O resultado é óbvio: informalidade, risco de acidentes e perpetuação de desigualdades sociais.
A obrigatoriedade de passar por autoescolas criou, ao longo das décadas, um mercado quase monopolizado, em que candidatos muitas vezes se veem reféns de preços abusivos e, não raramente, de práticas duvidosas. O próprio ministro citou a existência de "máfias" de reprovação, em que o candidato que consegue pagar a primeira tentativa frequentemente é induzido a arcar com novos custos em reprovações desnecessárias. A medida proposta, ao tornar as aulas facultativas, quebra esse ciclo e devolve ao cidadão o direito de escolher como se preparar para o exame de habilitação.
Apesar disso, a Associação Nacional dos Detrans divulgou uma nota criticando a medida sob o argumento de que "a educação no trânsito salva vidas" e que a flexibilização poderia comprometer a qualidade da formação dos motoristas. Trata-se de um posicionamento que ignora a realidade já existente nas ruas.
Hoje, milhões de pessoas dirigem sem nenhum curso, justamente por não poderem arcar com os custos impostos pelo modelo atual. A proposta do governo não elimina a formação, mas a torna opcional e mais acessível, com supervisão da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) e dos Detrans. Quem desejar fazer aulas em centros de formação continuará tendo essa opção, mas ninguém será obrigado a pagar um valor proibitivo para exercer um direito básico de locomoção.
O argumento da associação, portanto, soa mais como defesa de interesses corporativos do que como preocupação com a segurança viária. Experiências internacionais, como a dos Estados Unidos, mostram que é possível adotar um modelo mais flexível sem comprometer a segurança. Lá, qualquer cidadão pode obter uma permissão de aprendizagem após passar por um teste teórico rigoroso, e a prática pode ser realizada com instrutores ou familiares habilitados. O exame prático é a verdadeira prova de aptidão —não a quantidade de horas em sala de aula.
Seguindo essa linha, a proposta brasileira busca corrigir uma distorção histórica: em vez de obrigar o cidadão a financiar um sistema caro e excludente, aposta-se em oferecer liberdade de escolha e reforço na fiscalização dos exames teórico e prático. Isso estimula a responsabilidade individual, amplia o número de motoristas legalizados e contribui para a redução dos acidentes, já que conduzir habilitado e treinado, mesmo fora da autoescola, é mais seguro do que dirigir na clandestinidade.
A democratização do acesso à CNH é, portanto, uma medida social, econômica e de segurança pública. Enquanto algumas entidades insistem em defender a manutenção do status quo, o governo propõe uma modernização alinhada ao que já é praticado em diversos países desenvolvidos.
Ao reduzir barreiras financeiras e eliminar monopólios, o Brasil dá um passo em direção a uma mobilidade mais justa e eficiente, beneficiando milhões de cidadãos que hoje estão à margem de um direito básico por conta de um modelo que privilegia poucos em detrimento de muitos.
Guilherme Stump
Advogado, é mestre em direito público (UFRGS), professor de direito administrativo e ex-conselheiro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre